terça-feira, 6 de maio de 2014

Um abismo entre defesa e protecionismo comercial

Valor Econômico - 06/05/2014
Por Fernando Figueiredo

A duras penas, o Brasil aprendeu que não são permitidos equívocos quando se compete em mercados de escala global. A concorrência travada por empresas e governos é árdua e muitas vezes acontece de forma desleal. As consequências para quem cochila são drásticas e podem custar empregos, a sobrevivência de ramos de atividade inteiros e até a própria soberania do país, quando se trata de setores estratégicos.

Se a situação já inspira vigilância sob condições normais, imagine o que acontece em circunstâncias de crise, com a quase totalidade dos países industrializados dispondo de grande capacidade ociosa. Com isso, fábricas do mundo todo, com destaque para os países asiáticos, com economia de escala e produção voltada prioritariamente ao exterior, praticam dumping em busca de oportunidades para manter seus empregos e o grau de utilização da capacidade, despejando seus produtos em mercados compradores.


Diante das ameaças aos seus mercados, os empresários brasileiros lançam mão dos instrumentos legais de defesa comercial, como direitos antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas, que visam resguardar a indústria nacional de distorções do comércio internacional e assegurar uma competição justa entre produtores domésticos e estrangeiros.

A liderança do Brasil no número de pedidos de investigações reflete um novo momento institucional do país

Não por acaso, relatório divulgado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) mostrou um aumento de 30% dos pedidos de abertura de processos de investigação de dumping em 2013. A notícia ganhou destaque no Brasil, dado que o país foi aquele que, pela primeira vez, mais fez pedidos de investigações, seguido, de perto, pela Índia e pelos Estados Unidos. Dos 54 pedidos de investigação de dumping iniciados no ano passado pelo Brasil, a China aparece como o principal alvo, em 16 pleitos. Os Estados Unidos estão na segunda posição, em nove processos.

Embora não imune aos seus efeitos, a economia brasileira resistiu bem à crise econômica mundial, como consequência o país se tornou alvo atraente aos excedentes de produção das economias mais afetadas. O aumento das importações brasileiras é prova disso. Tais importações, quando realizadas a preços desleais, fizeram as indústrias locais prejudicadas buscar por ferramentas disponíveis à sua defesa. Apenas como exemplo, em 2013, a balança comercial da indústria de manufaturados fechou com déficit de US$ 105 bilhões, com alta de 11% sobre os US$ 94 bilhões do ano anterior. No setor químico, foram US$ 32 bilhões em saldo negativo na balança, acima dos US$ 28 bilhões de 2012. O déficit comercial da indústria química, aliás, cresce ano a ano. Para comparação, esse saldo era de apenas US$ 1,5 bilhão negativo em 1991.

Algumas análises mais apressadas interpretaram a informação do aumento de processos de investigação de dumping criticamente, relacionando-a com políticas de isolamento comercial, o que é uma confusão perigosa de ser feita. Há um abismo separando defesa e protecionismo comercial. O primeiro é uma estratégia de garantia da saúde da concorrência e é utilizado principalmente em setores da economia que estão integrados em escalas globais. O segundo deriva de decisão política de isolar temporária ou permanentemente um setor em virtude de motivos que podem ser legítimos (para que ele se desenvolva até ter condições de competir) ou não (preservação de grupos pouco eficientes, por exemplo).

As ações antidumping integram os mecanismos de defesa comercial e têm como objetivo evitar que produtores nacionais sejam prejudicados por importações realizadas a preços de dumping, prática considerada como desleal no âmbito da OMC.

A aplicação de medidas de defesa comercial não é aleatória ou um capricho do empresário. Requer, no âmbito de um processo administrativo, que seja realizada uma investigação ampla e detalhada da prática de comércio desleal, com a participação de todas as partes interessadas, onde dados e informações fornecidos pelas empresas são verificados e opiniões são confrontadas. Com isso, o Departamento de Defesa Comercial (Decom) pode propor a aplicação de uma medida ou o encerramento da investigação. A investigação deve comprovar a existência de dumping, de dano à produção doméstica e de nexo causal entre ambos. Esse procedimento está em consonância com os acordos internacionais, bem como com a legislação brasileira.

A liderança no número de pedidos de investigações exercida pelo Brasil não pode ser encarada como protecionismo simples. Na verdade, ela reflete um novo momento institucional do país, inaugurado pelo decreto presidencial nº 8.058/2013 e complementado por diversas portarias emitidas pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e pelo aumento do efetivo do Decom, do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Os novos instrumentos legais e a equipe reforçada desburocratizaram e tornaram mais céleres os pedidos de investigação de dumping, dando vazão a uma demanda reprimida de empresas e setores que sofriam há tempos com a concorrência desleal.

A indústria química, muito integrada ao mercado internacional, está se valendo desses instrumentos e obteve decisões favoráveis recentemente, o que é muito positivo para a preservação de toda nossa cadeia produtiva. Estão em vigor mais de dez medidas antidumping, que protegem segmentos importantes contra a concorrência desleal, tais como as indústrias domésticas de fenol, acrilato, borracha SBR, n-butanol, ácido cítrico, etalonaminas, entre outros.

O desafio agora é fazer com que as empresas menores percam o receio de buscar esses instrumentos quando se acharem vítimas de práticas desleais. O Mdic propiciou um avanço institucional importante. Agora, é possível difundir uma cultura de concorrência leal. Não para provocar um enclausuramento, mas para promover um ambiente sadio de comércio e de desenvolvimento.

Fernando Figueiredo é presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

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