quarta-feira, 21 de maio de 2014

ENTREGA DA MERCADORIA

 FONTE – SINDASP

EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO E RETENÇÃO DE VIA ORIGINAL DE CONHECIMENTO DE CARGA PARA FINS DE ENTREGA DE MERCADORIA IMPORTADA

Domingos de Torre – 16.05.2014

Trata-se de matéria permeada por vários institutos aduaneiros criados em épocas diversas, cada qual regulando a entrega de mercadorias ou coisas aos seus titulares, passando pelo Código Comercial, Código Civil, Leis Ordinárias, Decretos-leis, Instruções Normativas e outras normas, o que significa dizer que o assunto fica muito entrelaçado e sujeito a inúmeras remissões legislativas e, assim, mais fácil de ser polemizado. Este é um dos problemas do Direito Aduaneiro, que se consagra com a ausência, muitas vezes, de normas claras e definitivas por parte da Administração Pública, tanto que este fenômeno chegou a ser citado em um dos julgados do Poder Judiciário que apreciou o tema em foco.

Impõe-se, pois, e em razão disso mesmo, que se lance, a seguir, um pequeno histórico-legislativo das normas anteriores e de suas recentes alterações para que se possa ter u’a maior compreensão da questão, assim:

O artigo 54, inciso I, da IN-SRF nº 680/2006, em sua redação original, dispunha o seguinte:“Art. 54 – Para retirar as mercadorias do recinto alfandegado, o importador deverá apresentar ao depositário os seguintes documentos: I – via original do conhecimento de carga, ou de documento equivalente, como prova de posse ou propriedade da mercadoria. (….)”. (Grifou-se).

Por outro lado, o artigo 55 da mesma IN, a se ver de seu § 2º, também em sua redação original, estabelecia o quanto segue:“§ 2º – Fica vedada a exigência de apresentação do Comprovante de Importação ou dequalquer outro documento diverso daqueles previstos no art. 54 ou necessário aocumprimento dos requisitos estabelecidos neste artigo, como condição para entrega damercadoria ao importador”. (Grifou-se).

Assim, levando em conta que o “Conhecimento de Carga original, ou documento de efeito equivalente, constitui prova de posse ou de propriedade da mercadoria”, de acordo com o artigo 46, caput do Decreto-lei nº 37/1966, com a redação dada pelo artigo 2º do Decreto-lei nº 2.472/1988, a então SRF, ao baixar a IN-SRF nº 680/2006, estabeleceu que esse documento deveria, obrigatoriamente, instruir a DI, conforme artigo 18, inciso I, o mesmo ocorrendo como condição e requisito para a entrega da mercadoria ao importador, segundo se constata do artigo 54, inciso I.

O quadro legislativo anterior, portanto, impunha ao contribuinte a obrigação de instruir a DI com a via original do conhecimento de carga ou documento de efeito equivalente e de apresentá-la ao depositário como condição e requisito para a entrega das mercadorias respectivas pelo recinto alfandegado, além de outros documentos.

O Regulamento Aduaneiro absorveu essas normas e contemplou em seu artigo 553, inciso I, a obrigatoriedade de a 1ª via original desse documento instruir a DI, não o fazendo, no entanto, para fins de entrega da mercadoria ao importador, tanto que, no que tange a este item, dito Regulamento cinge-se apenas à exigência de comprovação do pagamento do ICMS (artigo 576).

É importante lembrar, ainda, que aquele artigo 18 da IN-SRF nº 680/2006, dispunha em seu § 2º, inciso I, alíneas “a” e “b”, sobre as hipóteses de não exigência de apresentação do conhecimento de carga para fins de INSTRUÇÃO da DI, ou seja, sobre as situações em que esse documento não seria exigido para a instrução da DI.

Esse era o quadro legislativo anterior.

A RFB, no entanto, e tendo em vista o SISCARGA (IN-RFB nº 800/2007), baixou a IN-RFB nº 1.356/2013, que criou a alínea “c” naquele I, do artigo 18, que dispõe sobre as situações em que não será exigida a apresentação do conhecimento de carga, para fins de INSTRUÇÃO da DI, e incluiu a desobrigatoriedade de sua apresentação nos “…. despachos de mercadoria transportada ao país no modal aquaviário, acobertada por Conhecimento Eletrônico (CE), informado à autoridade aduaneira na forma prevista na Instrução Normativa SRF nº 800/2007”.

Essa dispensa teve como base, entre outras normas, o artigo 554, do Regulamento Aduaneiro, sabendo-se que seu parágrafo único, por sua vez, tem como matriz a IN-SRF nº 560/2005, cuja dicção é a seguinte: “A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá dispor sobre hipóteses de não exigência do conhecimento de carga para instrução da declaração de importação”, embora haja informações do conhecimento no SISCARGA, não se tratando de hipótese de não exigência do documento, mas de mudança de forma de sua apresentação.

Essa norma, portanto, foi incorporada à IN-SRF nº 680/2006, a se ver de sua redação atual (artigo 18, § 2º, inciso I, alínea “c”).

O artigo 3º da mencionada IN-RFB nº 1.356/2013, em função dessa desobrigatoriedade, revogou, entre outros, o inciso I, do artigo 54 daquela IN-SRF nº 680/2006, que estabelecia, como se disse, que “Para retirar a mercadoria do recinto alfandegado, o importador deverá apresentar ao depositário os seguintes documentos: I – via original do conhecimento de carga, ou de documento equivalente, como prova de posse ou propriedade da mercadoria”. Esta norma, assim, foi retirada do mundo jurídico brasileiro, vez que revogada expressamente.

Tem-se presente, portanto, que a RFB, por aquela IN-RFB nº 1.356/2013, desobrigou a apresentação do conhecimento de carga para fins de instrução do despacho de mercadoria que tenha sido transportada no modal aquaviário, acobertada por Conhecimento Eletrônico (CE), informado à autoridade aduaneira na forma prevista na IN-RFB nº 800/2007 e, ao revogar expressamente o inciso I do artigo 54, da IN-SRF nº 800/2007, retirou do mundo jurídico brasileiro a exigência da apresentação da via original do conhecimento de carga ou de documento equivalente, “como prova de posse ou propriedade da mercadoria”, e como condição e requisito para entrega da mercadoria correspondente pelo depositário.

Não há necessidade de se instruir a DI naquelas hipóteses de modal aquaviário e como condição e requisito para entrega da mercadoria, e como regra geral, a apresentação da via original do conhecimento de carga para fins de entrega da mercadoria, no que tange à legislação da RFB.

Essa é a legislação positiva existente, cabendo, nesta oportunidade, alguns comentários, iniciando por dizer que a regra constante do § 2º do artigo 55 da IN-SRF nº 680/2006, antes transcrita, foi mantida pela IN-RFB nº 1.356/2013, provando que se trata de dispositivo autônomo que apenas está vedando a exigência de apresentação de CI e de OUTROS documentos que não sejam aqueles elencados no artigo 54, neles não se incluindo, obviamente, a via original do conhecimento de carga, conforme decorre da própria exclusão feita por esta mesma IN. Não se pode exigir outros documentos diversos daqueles já mencionados pelas normas aqui referidas como condição e requisito para entrega da mercadoria. Este dispositivo (§ 2º do artigo 55) é o que dispõe sobre a vedação de se exigir a apresentação de CI e de outros documentos diversos dos previstos no artigo 54 como condição e requisito para entrega da carga.

Esses outros documentos, no entanto, podem ser os referidos no artigo 563 do Regulamento Aduaneiro.

Antes de outras incursões sobre o tema, merece destaque a revogação expressa do inciso I do artigo 57 da IN-SRF nº 680/2006, também feita pela IN-RFB nº 1.356/2013, que exatamente estabelecia que “O depositário deverá arquivar, em boa guarda e ordem, pelo prazo de cinco anos, contado do primeiro dia útil do ano seguinte àquele em que tenha sido realizada a entrega da mercadoria ao importador: I) a via original do conhecimento de carga; (….)”.

Vale dizer: abolida a exigência de apresentação da 1ª via do conhecimento de carga original, abolida ficou a exigência de o depositário guardá-la pelo prazo de cinco anos da data do ano seguinte ao da entrega da mercadoria (inciso II, alínea “c”, do artigo 735, do Regulamento Aduaneiro).

Pois bem.

Os transportadores, diante desse novo quadro, protestaram, alegando várias situações fáticas e jurídicas inerentes à funcionalidade atual de alguns tipos de transportes de cargas (NVOCC, etc), o que gerou a edição da IN-RFB nº 1.433/2014, a qual, renumerando alguns parágrafos do artigo 55 daquela IN-SRF nº 680/2006, criou o § 3º, assim: “O disposto no § 2º não dispensa o depositário de adotar medidas ou de exigir os comprovantes necessários para o cumprimento de outras obrigações legais, em especial as previstas no art. 754 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”. (Grifou-se).

O § 2º, para relembrar, é o que está em vigor e veda “…..a exigência de apresentação do Comprovante de Importação ou de qualquer outro documento diverso daqueles previstos no art. 54 ou necessário ao cumprimento dos requisitos estabelecidos neste artigo como condição para a entrega da mercadoria ao importador”. Não são apenas os documentos previstos no artigo 54, mas igualmente os considerados necessários ao cumprimento dos requisitos ao estabelecido no dispositivo. A vedação, destarte, é ampla, taxativa e peremptória.

Importa, neste momento, decodificar o texto, assim: fica vedada a apresentação do Comprovante de Importação ou de qualquer outro documento, DIVERSO daqueles previstos no artigo 54 ou necessários ao cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo como condição para a entrega da mercadoria importada, não se dispensando o depositário, no entanto, de adotar medidas ou de exigir os comprovantes necessários para o cumprimento de outras obrigações legais, em especial as previstas no artigo 754 do Código Civil.

Quais medidas e exigências seriam essas capazes de ultrapassar aquela vedação expressa de apresentação e retenção da via original do conhecimento de carga como condição ou requisito para entrega da mercadoria?

As medidas e as exigências seriam, assim, as de apresentação de comprovantes necessários para o cumprimento de OUTRAS obrigações legais, entre elas, e em especial, as previstas no artigo 754 do Código Civil, que dispõe no sentido de que “As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência de direitos”. Referido dispositivo insere-se na Seção III (Do Transporte de Coisas) do Capítulo XIV (DO TRANSPORTE), do Código Civil.

Segundo Wilson Gianulo, in “Novo Código Civil Explicado e Aplicado ao Processo Civil”, – ed.Jurídica Brasileira – Terceira Edição – 2004, p. 1003, “Cumprindo o contrato o transportador, ou seja, procedendo à entrega das coisas diretamente ao destinatário ou àquele que tiver o conhecimento de transporte endossado, tem-se por concluído o negócio, salvo se o destinatário, conferindo as coisas entregues, protestar contra a qualidade e/ou deterioração ou inutilização delas (art. 754). É possível que a constatação da avaria ou defeito da coisa não seja possível imediatamente, reservando ao destinatário a lei o prazo de dez dias, contados da entrega efetiva da coisa para que o destinatário venha a promover ação contra o transportador (artigo 754, parágrafo único). O destinatário, como se disse, há de ser determinado desde o início da contratação, podendo ainda ser identificado se portar o conhecimento de transporte, devidamente endossado. De todo o jeito, em havendo dúvida fundada sobre a identidade do destinatário, deverá o transportador depositar a coisa em juízo”.

Observa-se, assim, que o artigo 754 do Código Civil apenas está dispondo sobre a correta identidade do destinatário para fins de entrega da coisa e dos prazos decadenciais para eventuais reclamações.

Os armadores, na verdade, associaram a redação daquele § 3º do artigo 55 da IN-SRF nº 680/2006 ao texto que consta do artigo 7º do Decreto-lei nº 116/1967, que dispõe: “Art. 7º – Ao armador é facultado o direito de determinar a retenção da mercadoria nos armazéns até ver liquidado o frete devido ou o pagamento da contribuição por avaria grossa declarada”, norma, aliás, que está reproduzida no artigo 40 da IN-RFB nº 800/2007 (SISCARGA), assim:“Art. 40 – É facultado ao armador determinar a retenção da mercadoria em recinto alfandegado até a liquidação do frete devido ou o pagamento da contribuição por avaria grossa declarada, no exercício do direito previsto no art. 7º do Decreto-lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967”. (Grifou-se).

Essas normas vêm sendo mencionadas em alguns comunicados de representantes dos armadores, como no caso da LIBRA/CSAV Group, que tempos atrás foi enviado por despachante aduaneiro, do seguinte teor:“Aproveitamos para informar que a CSAV Group se isenta de qualquer responsabilidade pela entrega da carga por algum terminal e/ou recinto alfandegado, sem a apresentação do original do B/L ou sem que os mesmos observem o disposto na IN-RFB nº 800/2007 – Art. 40”. (Grifou-se).

O artigo 40 da IN-SRF nº 800/2007, como se disse, é o que permite a retenção da carga até o pagamento do frete ou da contribuição por avaria grossa declarada.

Por outro lado, entidade sindical que congrega os agentes de carga e similares (SINDICOMIS) expediu a Circular SI/091/14, dando conta das providências que estará adotando com o objetivo de pressionar os depositários para o cumprimento da IN-RFB nº 1.443/2014, contrariamente – segundo alega, ao entendimento do GRUIMPORT, que estaria insistindo em não efetuar essa exigência.

Constata-se, assim, que a legislação veda a exigência de outro documento diverso daqueles previstos no artigo 54 da IN-SRF nº 680/2006, como condição e requisito para entrega da mercadoria, mas permite que o depositário adote medidas (indefinidas) ou exigência de comprovantes necessários para o cumprimento de outras obrigações legais, em especial as que se referem à entrega da coisa ao destinatário ou a quem detiver o conhecimento endossado, seguindo a esteira do artigo 754 do Código Civil, citado expressamente naquela IN-RFB nº 1.443/2014.

Com efeito, quais seriam, então, as exigências de obrigações legais as quais teriam de ser cumpridas e provadas mediante a apresentação de comprovantes? A identificação do destinatário? O pagamento do frete? A conferência das mercadorias em cotejo com o conhecimento de carga? Se assim for, poderia o depositário fazer essa exigência de forma genérica e LINEAR, ou seja, a todas as mercadorias desembaraçadas, e mesmo informadas ao SISCARGA, sem distinção, sob a presunção de que sem a apresentação da 1ª. via original do conhecimento de carga não se saberia identificar o importador ou se foram efetivamente cumpridas as obrigações legais por parte do importador em relação ao transporte?

É o que a legislação mencionada está, de certo modo, se referindo.

O fato é que a RFB reconheceu que a situação diz respeito à relação comercial privada existente entre o transportador (que inclui, por via oblíqua, o depositário) a qual, tendo em vista a desobrigatoriedade de se instruir a DI com a via original do conhecimento de carga (nos despachos no modal aquaviário) e de se apresentá-la como condição e requisito para entrega da mercadoria respectiva, poderia ser afetada.

É importante relembrar o que dispõe o artigo 556 do Regulamento Aduaneiro: “Os requisitos formais e intrínsecos, a transmissibilidade e outros aspectos atinentes aos conhecimentos de carga devem regular-se pelos dispositivos da legislação comercial e civil, sem prejuízo da aplicação das normas tributárias quanto aos respectivos efeitos fiscais”. (Grifou-se).

Assim, levando-se em conta que a RFB admitiu, de certa forma, que não pode interferir (ou não deve) nessa relação comercial de natureza privada, a questão passa, inexoravelmente, a fugir do âmbito da Administração Aduaneira e permanece exposta aos mais variados entendimentos. O importador, diante da ausência de outro instrumento normativo capaz de melhor dirimir a questão, terá duas opções: aceitar a exigência ou tentar afastá-la via judicial.

A pendenga, ao que consta, terá de ser resolvida na esfera judicial, tanto que este já começou a ser acionado, a se ver de decisões, as quais, embora proferidas à égide da vigência da IN-RFB nº 1.356/2013 (e não da IN-RFB nº 1.443/2014), dá bem a ideia de que a retenção da mercadoria não pode ocorrer apenas porque a via original do B/L não foi entregue. É de se ressaltar o decisum do Tribunal de Justiça – SP, na APL 1824034520118260100, que assenta na direção de que “a retenção do conhecimento de embarque e das mercadorias pelas transportadoras somente é autorizada nas hipóteses de falta de pagamento do frete ou contribuição por avaria grossa declarada, não sendo possível condicionar a liberação da carga ao pagamento de demurrage, (…..) ou à prestação de caução. Artigo 7º do Decreto-lei nº 116/1967 (…….). Veja-se, ademais, que permanece vigente o disposto no artigo 7º do Decreto-lei nº 116/1967, pelo qual o transportador (armador) pode bloquear a liberação das mercadorias nos armazéns, (…..). Essa retenção, no entanto, não pode ser feita por insuficiência de documentação, mas somente em razão do não pagamento do frete e contribuição por avaria grossa”. (Grifou-se).

Na mesma trilha decidiu o MM Juiz da 8ª. Vara Cível da Comarca de Santos, nos autos do processo nº 1002286-09-2014.8.26.0562, quando disse que não tem cabimento a retenção da mercadoria apenas pela falta de apresentação do Conhecimento de Embarque Master, razão pela qual antecipou a tutela requerida para fins de entrega da mercadoria correspondente.

Resta saber como o Judiciário irá manifestar-se acerca da situação, já levando em conta as normas da IN-RFB nº 1.443/2014, que flexibilizou e temperou a vedação referida na IN-RFB nº 1.356/2013.

É evidente, assim, que a questão cinge-se à forma de se comprovar ao transportador (por intermédio do depositário) o cumprimento de obrigações legais relativas ao transporte, já que é a isto o que a IN-RFB nº 1.443/2014 está se referindo e conforme vem sendo citada e utilizada pelos transportadores como justificativa para exigirem a via original do conhecimento de carga, como sempre ocorreu mansa e pacificamente por força da legislação anterior. Trata-se, sem dúvida, de situação que mereceria uma normatização legal mais clara por parte das autoridades competentes.

Domingos de Torre

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