sexta-feira, 9 de maio de 2014

Opinião - Livre comércio nem sempre é bom

Valor Econômico - 09/05/2014
Por Arturo Bris

Vários fatores contribuem para que os países galguem os degraus da competitividade mundial. Um é o Estado de Direito. Instituições políticas e econômicas amplamente inclusivas são, sem dúvida, outro. Instituições inclusivas são encontradas em todos os países que ascenderam nas classificações do Centro de Competitividade Mundial do IMD nos últimos 25 anos e são também destacadas como fator de sucesso por Daron Acemoglu e James Robinson, em seu livro "Why Nations Fail".

A distribuição etária favorável da população é um terceiro fator, enquanto a descoberta de enormes reservas de petróleo e minerais pode, às vezes, ser um quarto. A abundância de recursos naturais tem sido um fator impulsionador fundamental para os EUA e a Noruega (e, mais recentemente, para a Mongólia), embora tanto o Catar quanto Hong Kong tenham constado da nossa lista dos dez mais em 2013 apesar de terem o pior "Acesso à Água" entre as 60 economias avaliadas por nossas classificações.

E o livre comércio? Muitas pessoas diriam que este é um quinto fator, mas o impacto do livre comércio sobre a competitividade nacional depende muito do estágio de desenvolvimento do país. Estar aberto ao comércio externo em geral ajuda a tornar os países mais ricos mais competitivos - no sentido de mais capazes de gerar prosperidade por meio do uso de todos os recursos e competências de suas economias. Mas o livre comércio pode prejudicar países mais pobres que ainda não alcançaram certo nível de desempenho econômico doméstico. Quando as economias ainda estão em processo de emergência e a redução da pobreza é a prioridade, o comércio externo não traz qualquer benefício à população local.

A próxima leva de acordos de livre-comércio, ao que tudo indica, consistirá de grandes acordos regionais entre países relativamente desenvolvidos, em vez de pactos mundiais mais abrangentes que incluam também países mais pobres.

Os acordos de livre comércio geralmente alcançam seu funcionamento máximo quando todos os países envolvidos atingiram certo nível de desenvolvimento. A União Europeia (UE), possivelmente a odisseia econômica mais importante do século XX, se tornou um grande bloco comercial mundial certamente porque os novos ingressantes só passavam a integrá-la quando tivessem conquistado determinado grau de convergência com os membros pré-existentes da UE.

No mesmo sentido, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, nas iniciais em inglês), de 1994, entre Estados Unidos, Canadá e México, foi de ajuda para seus três membros - em parte porque o México já tinha se desenvolvido o suficiente para se beneficiar de um comércio mais livre. Com o Nafta, a indústria de transformação do México atraiu unidades de produção dos EUA que importam matérias primas e exportam produtos para o outro lado da fronteira (as famosas "maquiladoras"). O setor de serviços mexicano também melhorou. Em decorrência disso, entre 1997 e 2013 o México passou do 40º para o 32º lugar na classificação do Centro de Competitividade Mundial do IMD. Em 2013, foi o país latino-americano de melhor desempenho na classificação do IMD, ao galgar cinco posições, a partir do 37º lugar ocupado no ano anterior.

Não é de espantar que a próxima leva de acordos de livre comércio, ao que tudo indica, consistirá de grandes acordos regionais entre países relativamente desenvolvidos, em vez de pactos mundiais mais abrangentes que incluam também países mais pobres. O presidente dos EUA, Barack Obama, esteve recentemente no Japão para impulsionar a pretendida Parceria Transpacífico (TPP, nas iniciais em inglês), que, quando concluída, liberalizará o comércio de produtos e reduzirá as limitações ao intercâmbio de serviços entre 12 economias de ambos os lados do Oceano Pacífico. Além dos Estados Unidos, o Canadá e o México, são eles Austrália, Brunei, Chile, Cingapura, Japão, Malásia, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Como reflexo das vantagens percebidas do TPP, vários outros países, como Coreia do Sul e Taiwan, manifestaram disposição de se filiar no futuro próximo. A China não está incluída no pretendido acordo.

O outro grande acordo proposto em discussão é a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, que, se aprovada, liberalizará o comércio entre os EUA e a UE e criará a maior zona de livre comércio do mundo.

Para países menos desenvolvidos, por outro lado, um período limitado de protecionismo pode ser melhor do que o livre comércio para impulsionar sua competitividade. Apenas ao proteger inicialmente seu setor manufatureiro da concorrência externa é que um país de renda mais baixa pode ficar mais forte, mais próspero, e mais preparado para enfrentar a competição externa quando o comércio de produtos manufaturados for liberalizado. Na medida em que sua economia se enriquece, ela ingressa num segundo estágio de desenvolvimento, mais baseado no setor de serviços.

Como escreve Joe Studwell em "How Asia Works: Success and Failure in World's Most Dynamic Region": "Não há no mundo economias que se desenvolveram e chegaram até o primeiro escalão por meio de políticas de livre comércio. [...] Toda economia economicamente bem-sucedida incorreu, em suas fases de formação, em práticas de protecionismo".

Muitos dos países mais ricos e mais competitivos do mundo se tornaram participantes mundiais com a ajuda do protecionismo - e não do livre comércio. Nos séculos XVIII e XIX foram a França e a Grã-Bretanha. Nos séculos XIX e XX, Estados Unidos, Japão e Alemanha foram protecionistas em algum momento. Mais recentemente, a China seguiu o mesmo caminho.

Acordos de livre comércio podem contribuir para os países se tornarem mais competitivos - mas, provavelmente, não logo no início de sua jornada. (Tradução de Rachel Warszawski)

Arturo Bris é professor de finanças no IMD do IMD e dirige o Centro de Competitividade Mundial do IMD. Ele é orador programático do programa Orchestrating Winning Performance de Lausanne, a realizar-se de 15 a 20 de junho.

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