terça-feira, 27 de maio de 2014

Indústria precisa de câmbio e serviços ‘top’ para mudar de rumo

RedacaoT1
Para Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo, Brasil passa por desindustrialização precoce. Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Para Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo, Brasil passa por desindustrialização precoce. Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Enquanto a indústria de transformação perdia espaço no Produto Interno Bruto (PIB), o setor de serviços que ganhou peso na economia brasileira foi o segmento menos dinâmico, dedicado às famílias, e que agrega pouco valor à produção.
Essa foi uma composição perversa para o crescimento e acentuou a desindustrialização precoce do Brasil, segundo diferentes opiniões, nem sempre consensuais, manifestadas ontem por economistas presentes ao primeiro dia do seminário sobre “Indústria e desenvolvimento produtivo do Brasil”, organizado pela Escola de Economia de São Paulo (EESP) e o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ambos da Fundação Getúlio Vargas.
Para os economistas, apesar da expressiva perda de participação no PIB, a indústria de transformação ainda tem papel relevante como indutora do crescimento. Políticas tradicionais de incentivos, porém, não são mais suficientes para alavancar o setor.
O Brasil precisa ganhar competitividade e só fará isso com câmbio atraente e uma nova visão do setor industrial, onde a velha manufatura ceda espaço para produtos que usem os serviços para agregar valor e a indústria participe das chamadas cadeias globais de produção. A solução, dizem, não passa por um ou outro caminho isolado. É preciso combinar soluções macro com medidas de política produtiva diferentes das adotadas no passado.
Para o diretor da EESP, Yoshiaki Nakano, o Brasil passa por uma “desindustrialização precoce”, entre outras razões porque a perda de participação da indústria não veio acompanhada do desenvolvimento dos serviços que mais agregam valor à produção, como design e marketing. “Aqui, cresceram os serviços pessoais”, pondera ele. Outro problema, diz, é que o Brasil está fora das cadeias produtivas globais.
A mesma preocupação com o isolamento produtivo é partilhada pelos economistas Rogério César de Souza, do Instituto para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), e Cristina Reis, da Universidade Federal do ABC.
Com dados mundiais, eles mostraram que apenas 9% das importações brasileiras são usadas em produtos que serão exportados. O restante vira consumo interno. E essa pouca agregação de valor piorou nos últimos anos – em 1995, 9,7% da importação era usada para elevar o valor da exportação brasileira. Na China, ocorreu o contrário: o valor adicionado pelas importações passou de 12% em 2005 para 32,6% em 2009.
David Kupfer, professor licenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor da presidência do BNDES, avaliou que uma das principais saídas para a perda de relevância do setor industrial na economia é se integrar a serviços mais dinâmicos, num processo que chamou de “servitização” – um termo que ele mesmo avisou que não existe. Segundo Kupfer, a solução vale tanto para cadeias de alta tecnologia quanto para segmentos mais tradicionais, como o têxtil e de confecções.
Ao contrário da terceirização, que acontece quando a indústria retira de sua estrutura atividades de pouco valor agregado, como a limpeza, a produção do setor ganha relevância quando incorpora serviços mais dinâmicos e fundamentais ao ganho de competitividade, como as ações pós-vendas, pesquisa & desenvolvimento (P&D) e logística de distribuição, entre outros.
Francisco Eduardo Pires de Souza, da UFRJ e também assessor da presidência do BNDES, todo crescimento futuro precisa estar baseado nos ganhos e produtividade, o que transforma o setor de serviços em um problema, dada a baixa dinâmica desse setor. Cruzando diferentes estatísticas, ele concluiu que a produtividade em serviços tem sido inferior a do próprio PIB.
Enquanto o uso do setor de serviços para agregar valor à produção e a busca de maior inserção às cadeias globais foram consensos, o debate em torno das políticas macroeconômicas para “ajudar” a indústria foi mais polêmico. Souza, do Iedi, bateu na tecla da necessidade de redução de custos, entre eles o salarial.
Em sua apresentação, mostrou que os custos com mão de obra foram o principal impacto negativo na produtividade do setor manufatureiro no período recente. Com dados do World Input-Output Database (Wiod), ele indicou que entre 2003 e 2009, a produtividade do setor de transformação caiu 1,7% ao ano, período em que a remuneração dos funcionários aumentou 7,4% (em dólares, ao ano), com alta de 3,5% nas horas trabalhadas (média anual).
Kupfer, da UFRJ, avalia que ao Brasil “não interessa qualquer indústria”. Para ele, a indústria está aprisionada em uma armadilha de competitividade a baixo custo quando o caminho para a retomada do setor é o outro.
“Não temos como encarar o sistema de produção asiático e a economia política que se construiu em torno desse sistema no estágio de desenvolvimento em que estamos”, disse Kupfer. “Temos que dar maior prioridade à inovação e à diferenciação de produtos”, defendeu.
Para Nakano, a retomada do papel da indústria passa pelo enfrentamento do “trio mortal” representado por juro elevado, câmbio valorizado e alta carga tributária. “Esse tripé sufocou a indústria.”
 Fonte: Valor Econômico, Por Denise Neumann e Arícia Martins

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