quinta-feira, 10 de abril de 2014

Baixo crescimento, um 'novo normal' para a América Latina?

Pablo Uchoa
Da BBC Brasil em Washington



A desaceleração chinesa diminuiu o crescimento latino-americano

Sem as receitas abundantes das exportações de commodities, e com seu principal mercado para esses produtos – a China – desacelerando, a América Latina tem neste ano um crescimento projetado de 2,3% por cento.

A previsão magra, divulgada pelo Banco Mundial durante a sua reunião anual de primavera em Washington, contrasta com as taxas de crescimento entre 5% e 6% registradas nos anos anteriores à crise econômica.

No ano passado, a expansão latino-americana foi de apenas 2,4%.

Passados "os anos do grande boom das commodities" – palavras do economista-chefe do Banco Mundial para a região, Augusto de la Torre – "parece que a América Latina está estancando".

"Será essa desaceleração apenas a parte mais baixa do ciclo econômico, ou entramos, como dizem os analistas de Wall Street, em um novo parâmetro de normalidade, um novo normal?", questiona De la Torre.

Em outras palavras, terá a região entrado em um estado de equilíbrio em que o equilíbrio significa baixo crescimento econômico?

"O fato de já estarmos há dois anos estancados com uma taxa de crescimento inferior ao 2,5% sugere que a região tem dificuldade de gerar crescimento endógeno; que nosso crescimento só se produz quando há ventos favoráveis soprando do exterior", expõe o economista.

"O problema da América Latina é como encontrar o caminho endógeno (interno) sem depender de fatores favoráveis externos."
Desafios e respostas

As previsões de crescimento para o continente em 2014 variam entre retração de 1% na Venezuela e expansão de quase 7% para o Panamá, nos cálculos do Banco Mundial.

Entretanto, mesmo os países mais dinâmicos da região estão sendo afetados por fatores que fogem ao seu controle – situação diferente, por exemplo, de países do Sudeste Asiático que foram afetados pelos mesmos fatores, mas retomaram seu crescimento neste ano.

No relatório do Banco Mundial apresentado na quarta-feira, o Brasil recebe uma projeção de crescimento (2%) menor que a média regional e que das principais economias da região, como México (3%), Chile (3,5%), Colômbia (3,5%) e Peru (5,5%).

Três fatores explicam essas projeções: o esfriamento da economia chinesa, de 11% em anos anteriores para em torno de 7,5% neste ano; as receitas menores geradas com a venda de commodities a preços mais baixos; e, cada vez mais, o início da normalização financeira no mundo industrializado, que deve implicar em uma reorganização na distribuição de capitais entre nações ricas e emergentes.

Estes fatores também explicam por que a América Latina teve superavit em conta corrente entre 2003 e 2007 (acima de 1,5% do PIB regional em 2006) e desde então passou a registrar deficit (que aumentaram até se aproximar de 2% da economia regional em 2012).

Porém, o Banco Mundial aponta uma grande diferença na maneira como hoje a região financia os seus desequilíbrios externos.

Os fluxos de investimentos externos diretos, menos voláteis e com interesses de mais longo prazo, e as remessas de latino-americanos no exterior são hoje mais importantes que as carteiras financeiras e de crédito bancário, apontou o relatório.

Enquanto os capitais voláteis subiram e desceram ao sabor dos ciclos econômicos, a entrada de IEDs (investimento externos diretos) acumulou quase 2% do PIB latino-americano na última década, enquanto as remessas equivaleram a 1,4% do PIB.


O Brasil deve crescer 2%, menos que a média regional; Peru tem melhor resultado, 5,5%

"Esse movimento faz parte de uma reestruturação mais profunda, na qual a região se desendividou e se converteu em credor líquido do resto do mundo", acrescentou De la Torre.

"Em parte devido a isso, acreditamos que a turbulência financeira internacional não vá causar os tipos de crises domésticas vistos no passado."
Questão de progresso social

Para o economista do Banco Mundial, a questão do crescimento é mais de progresso social.

Sem o crescimento, questiona De la Torre, "você pode gerar empregos o suficiente? Pode gerar o mesmo progresso social? Pode continuar a mover a sua população para a classe média? Pode elevar os padrões de vida da população?"

O economista crê que o continente já está vivendo uma "pressão saudável" para prover serviços básicos de qualidade a uma população que entrou aos milhões na classe média. O temor é que, sem crescimento, estas conquistas sejam não perdidas, mas esbarrem em um "freiaço".

E que, diante das dificuldades, os políticos latino-americanos apelem para soluções populistas e insustentáveis que, no fim das contas, apenas aumentariam as vulnerabilidades dos países diante do cenário externo.

Que a América Latina esteja ou não entrando em uma fase "normal" de baixo crescimento, De la Torre acredita que políticas públicas para corrigir desequilíbrios macroeconômicos podem mudar essa realidade.

O exemplo mais citado é o México, que aprovou uma série de reformas econômicas que, segundo os analistas, devem elevar o crescimento mexicano de pouco mais de 1% no ano passado para 3% este ano. Estas medidas ainda precisam ser regulamentadas e implementadas, e portanto são de "gestação lenta", diz De la Torre.

O economista observou que a Argentina é um país com um capital humano desenvolvido e recursos naturais abundantes. Já os países do Pacífico latino-americano se juntam em uma aliança comercial que não apenas os integrará melhor à economia mundial, como também proporcionará maior integração intrarregional.

Para o Brasil, "as perspectivas de longo prazo são muito favoráveis", diz De la Torre. "É um país com enorme riqueza, uma economia maior da região, mercados internos amplíssimos, oportunidades de investimentos imensas. Com algum consenso sobre reformas estruturais, eu sou muito otimista com o crescimento de longo prazo do Brasil."

A agenda de reformas é conhecida dos brasileiros: melhorar a infraestrutura e a qualidade do ensino. No campo macroeconômico, "a principal reforma do Brasil é recompor a mescla entre política fiscal e monetária". Isto ajudaria o país a enfrentar o seu "desafio de curto prazo", segundo De la Torre: o baixo crescimento combinado com inflação.

"O Brasil precisa de uma política fiscal mais ajustada. Isso requer uma visita cuidadosa a todo o processo de finanças públicas, dos gastos e receitas. Uma racionalização dos gastos e receitas", diz.

À medida que a posição fiscal pare de alimentar a inflação, cria-se um ambiente mais favorável a uma política monetária "mais relaxada" para permitir o crescimento, argumenta De la Torre.

"Mudar a mescla de políticas fiscal e monetária é um processo político difícil, mas do ponto de vista puramente técnico seria conveniente ao Brasil rebalancear as políticas na direção de uma política fiscal mais ajustada que permita uma política monetária mais frouxa", avalia.

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