quinta-feira, 17 de abril de 2014

‘Temos que falar menos de Câmbio e mais de redução de custos’

Brasil Econômico - 17/04/2014

Principal bandeira dos exportadores brasileiros nos últimos anos, a taxa de câm­bio já não está no centro das atenções do presidente da Associação de Comércio Ex­terior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Para ele, a falta de políticas integra­das de apoio às exportações, com a retomada de negociações comerciais com grandes importadores e redução dos custos de produção, é hoje o principal obstá­culo à indústria brasileira no mercado internacional. "A participação de manufa­turados na balança comercial é a pior desde 1978", aponta o executivo.

As commodities dependem basi­camente da China. Se a China mantiver o crescimento de 7%, 7,5% as commodities vão se manter no patamar que estão ho­je. E o problema de China hoje, em termos de commodities, se refere ao fato de a Austrália estar aumentando a oferta de minério de ferro em torno de 170 mi­lhões de toneladas. As demais commodities dependem da eco­nomia global e, principalmente, de especulação nas bolsas de mercadorias. No caso do café, vemos hoje que vai haver uma quebra de safra no Brasil ao re­dor de 10%, mas as cotações vêm subindo no mundo. Então o Brasil vai tirar proveito. Esse é um item em que prevíamos que­da em dezembro mas, de repen­te,vamos ter um aumento nas exportações de café. E isso vai re­presentar em torno de US$ 2 bi­lhões a mais na balança comer­cial em 2014. A soja, embora te­nha só tem três exportadores — Brasil, EUA e Argentina, os três com superprodução — tem as co­tações impulsionadas pela seca no Brasil. Era unanimidade que haveria uma queda este ano, nos­sa expectativa inicial previa algo em torno de US$ 490 por tonela­da. Agora já acho que deve ficar na média uns US$ 525 ou US$ 530, quase o mesmo patamar do ano passado. Então, as commo­dities brasileira hoje é que vão sustentar. E, apesar da péssima infraestrutura, do custo logísti­co elevadíssimo e da burocracia, o que continua sustentando a ba­lança são as commodities.

Por quanto tempo?

Temos uma grande oportunida­de pela frente, que é a Índia, on­de apenas 16% da população es­tá nas cidades. A exemplo da Chi­na, vai começar um êxodo rural, que vai fazer com que as pessoas consumam mais alimentos. E o único país que tem condições de abastecer isso é o Brasil. Mas, pa­ra isso, temos que ter infraestru- tura nas áreas onde são planta­das e infraestrutura para trans­portar aprodução. Se nosprepa- rarmos, o Brasil vai ficar eterna­mente com superávit na balança comercial. Agora, o que a gente não quer é deixar de exportar manufaturados por problemas internos. Que nós seremos sem­pre um exportador de commodi­ties, não há dúvida. Pela exten­são territorial, pela cultura brasi­leira... Mas não queremos deixar de exportar manufaturados. Ho­je, dos 14 maiores países exporta­dores do mundo, todos são ex­portadores de manufaturados. E o Brasil é o 22°, embora sejamos a sexta maior economia. O sexto maior exportador, que é a Coreia do Sul, vende US$ 550 bilhões e nós vamos exportar US$ 240 bi­lhões. Então temos potencial pa­ra dobrar exportações, basica­mente em manufaturados.

Mas, nosúltimos anos, o peso dos manufaturados só tem caído...

Nós não temos infraestrutura e isso pesa muito para os manufa- turados. Como a commodity tem um patamar elevado de pre­ços, qualquer custo adicional é absorvido. No manufaturado, não, tem que dar um preço com­petitivo. E nosso preço é alto porque nossos custos são altos, custo logístico, custo tributá­rio, custo do trabalho, custo fi­nanceiro, tudo alto. Estudo que nós fizemos aqui mostra que 49% de nossas exportações de manufaturados são basicamen­te para a América do Sul. Os ou­tros 51%, divididos pelo mun­do. Só que a América do Sul, ex­cluindo o Brasil, representa ape­nas 3% das importações mun­diais. Outro foco, que é a Áfri­ca, também representa apenas 3% das importações mundiais. Então, concentramos nossas exportações de manufaturados em dois mercados que, juntos, representam apenas 6% das im­portações mundiais. Temos cla­ramente um erro de foco comer­cial, estamos priorizando mer­cados em que o potencial de crescimento é pequeno. E, com relação aos Estados Unidos, maiores importadores mun­diais, houve uma decisão de não atacar comercialmente. Tanto que, desde 2003, não tive­mos nenhuma missão governa­mental para lá. No fundo, acaba­mos abandonando o mercado americano e os chineses ocupa­ram espaço. Hoje, 10% de nos­sas exportações são para os EUA. Em 2003, eram 25%.

Alguma perspectiva de reversão deste cenário?

Mudar, acho muito difícil. Até houve uma aproximação com os Estados Unidos, mais pelo inte­resse deles, quando o (presiden­te Barack) Obama convidou a presidenta Dilma Rousseff no ano passado. Mas ela não foi e a aproximação esfriou. A gente sente que o Brasil hoje tenta algu­ma coisa, mas não quer se abrir. No setor empresarial, já se fala abertamente em Alca (Área Li­vre de Comércio das Américas, proposta de acordo comercial lançado ainda no governo Bill Clinton), uma palavra que até al­guns anos atrás era maldita. Não uma Alca com todos os países, como se pensava, mas pelo me­nos um acordo com os Estados Unidos. Não podemos ficar fora desse mercado.

Há algum movimento do governo nesse sentido?

Sim, algum. Mas não é uma coi­sa enfática. O fato é que hoje nos­sas exportações de manufatura­dos dependem de América do Sul e África. Mas a Argentina, que é nosso principal mercado, e Venezuela enfrentam todos aqueles problemas que a gente conhece. Os demais países que não têm problema, Chile, Co­lômbia e Peru, são exportadores de commodities, principalmen­te commodities minerais. Se as commodities caírem, automati­camente o poder de importação deles cai. E nossas exportações vão cair também.

Então, mesmo na nossapauta de manufaturados, somos dependentes das commodities?

Claro. Enquanto a carga tributá­ria e a carga regulatória nãopa- ram de crescer, não temos con­dições de competir além da América Latina. Até mesmo aqui estamos perdendo para os asiáticos. Hoje, dizemos que que queremos discutir menos taxa de câmbio e mais redução de custo. Porque quando tem desvalorização, o mundo intei­ro sabe disso e quer dividir o ga­nho. Se tem redução de custo, aquilo é da própria empresa, que tem condição de ajustar em função do custo. No Brasil, re­vogamos a lei da escala de pro­dução. Quanto mais exporta, mais aumenta o seu custo, por­quevai acumulando crédito de ICMS e não se sabe quando vai ter de volta. PIS e Cofins é a mes­ma coisa: oproduto final éisen- to, mas na cadeia produtiva vai agregando pedacinho de PIS e Cofins que não serão recupera­dos. Se quisermos exportar ma­nufaturados, dar voos mais lon­gos do que a América do Sul, te­mos que reduzir custos. Se tirás­semos essas mazelas, o câmbio a R$ 2 seria ótimo. Para algu­mas empresas, até R$ 1,90 seria competitivo.

Qual a projeção da AEB para o fechamento da balança este ano?

Ainda não fizemos nenhuma re­visão. Mas, em função do au­mento do café e da recuperação da soja, está mais para zero a ze­ro, dependendo de pendências de um lado e de outro. Do lado negativo, por exemplo, temos um baque no minério, em plata­formas de petróleo (que teve grande impacto nas exporta­ções do ano passado, com a con­tabilização de sete unidades) e o açúcar em queda. Em dezembro nossa projeção era um superávit de US$ 7,2 bilhões. Estamos pro­jetando este ano que as exporta­ções de petróleo aumentem 50%, o que nos traria de volta ao que foi em 2012. Mas, até agora, está muito ruim. A semana pas­sada foi a primeira semana do ano que o volume exportado, em quantidade, superou 2013. Mas, se não aumentar pelo me­nos 50%, vamos ter problemas. O déficit este ano está muito rela­cionado ao combustível — mais uma vez. Porque as importações estão subindo. Veja que come­çam a falar em aumentar o eta- nol na gasolina, para reduzir im­portações em gasolina.

E para os próximos anos?

Olhando para 2015 e 2016, o co­mércio exterior brasileiro vai ter muita dificuldade, porque conti­nuaremos contando com com­modity. Em manufaturados, in­felizmente, não tem perspectiva de mudança, porque nossos cus­tos não vão diminuir em 2015, 2016. A taxa de câmbio pode su­bir, mas é um fator que foge ao controle das empresas. Tenho di­to sempre que a diferença entre o governo e o setor privado é que o setor privado pensa a lon­goprazo, quando se trata de co­mércio exterior. E o governo pensa a curto prazo. Um exem­plo claro é o Plano Brasil Maior. Tudo que foi pensado no plano em 2011, que entrou em vigor em 2012, já acabou. O Reintegra (Regime Especial de Reintegra­ção de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras) aca­bou em 2013, no final deste ano acaba desoneração da folha de pagamento e a devolução de R$ 19 bilhões em PIS e Cofins não aconteceu. Não é que não tenha acontecido, mas é que são medi­das pontuais. O que é ruim, por­que o Reintegra não pode ser pontual, senão dá a entender que é subsídio. Se forpermanen- te, é ressarcimento de tributos indiretos que incidem sobre a ex­portação, como é feito em ou­tros países. Então, na realidade, precisamos criar uma política in­tegrada de Estado de comércio exterior. E hoje temos políticas isoladas de cada ministério. Há quantos anos ouvimos falar de cultura exportadora? Mas não há evolução nesse sentido.

Ao contrário, as estatísticas mostram queda no número de empresas exportadoras...

Sim. Observando os últimos anos, o número de empresas ex­portadoras está caindo. Pensar num país como o Brasil, que tem 4,5 milhões de empresas, ter apenas 18 mil exportadoras, é um número muito pequeno. No fundo, hoje voltamos ao pata­mar anterior a 1978. A fatia das exportações de manufaturados está pior do que 1978. As empre­sas globais estão procurando concentrar em países mais bara­tos. E esse é um outro problema do Brasil: o país está fora das ca­deias de valor. Se verificarmos nos últimos anos o nível de in­vestimento no Brasil e a qualida­de desse investimento, vamos verificar que o dinheiro está vin­do para serviços, infraestrutura e para a compra de alguma em­presa no Brasil. Muito pouco pa­ra a nova indústria, porque esta­mos fora das cadeias de valores. Tirando a indústria automobilís­tica, que é voltada para o merca­do interno, não vemos ninguém chegando com planos voltados para o mercado externo.

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