segunda-feira, 21 de abril de 2014

Quem segura os seguros

Revista ISTOÉ Dinheiro - 21/04/2014

Conheça a ABGF, estatal que vai garantir os riscos que as seguradoras querem evitar
Por Luiz Gustavo Pacete

Formado em economia, o empresário carioca Thomas Buchheim vinha pensando, nos últimos tempos, em mudar radicalmente de área. Sua empresa, a Limpanno, fatura R$ 100 milhões por ano fabricando sabão em pó e esponjas de aço, entre outros itens. Buchheim contemplou a ideia de ir além dos produtos de limpeza e associar-se a outros empresários do setor para criar uma seguradora. O motivo: nenhuma das companhias de seguros em atividade queria tê-lo como cliente, nem a seus concorrentes, que elaboram e estocam produtos químicos. Essa dificuldade em proteger o patrimônio decorre de uma mudança no perfil do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), empresa estatal garantidora das seguradoras.


Monopolista no setor, o IRB ressegurava qualquer risco até 2008. Naquele ano, deixou de ser estatal para se tornar uma sociedade de economia mista e, mais relevante, o mercado de resseguros se abriu à concorrência nacional e internacional. Com o aumento da competição, teve de ser mais rigoroso e seletivo em relação aos riscos assumidos, o que deixou segurados como Buchheim a descoberto. Para assegurar a cobertura a empresas como a Limpanno, o Ministério da Fazenda criou uma nova estatal e regulamentou, em 2012, a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), já apelidada de Segurobras, que vai começar a operar no segundo semestre.

"Seremos complementares, vamos atender clientes que não são cobertos pelo mercado privado de resseguros", diz Marcelo Pinheiro Franco, presidente da nova empresa. "Não pretendemos concorrer com quem já está no mercado." Suas metas são ambiciosas. Com um capital social de R$ 50 milhões, o principal objetivo da ABGF será oferecer seguros nas áreas de infraestrutura e grandes obras, em operações de crédito à exportação para países e clientes arriscados, e também em programas habitacionais. A nova empresa passa a administrar o Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE), que vai aglutinar fundos administrados pelo governo avaliados em R$ 300 bilhões.

Buchheim, da Limpanno: o economista foi rejeitado diversas vezes como cliente das seguradoras 

"Nosso objetivo é aumentar gradualmente o valor da companhia para R$ 11 bilhões, na medida em que os projetos forem sendo segurados, com a proteção limitada a cinco vezes esse valor", diz Franco. Segundo Dyogo Henrique de Oliveira, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, a nova agência vai garantir riscos não gerenciáveis, políticos ou extraordinários. Ou seja, exatamente aqueles dos quais as seguradoras e resseguradoras privadas querem distância. "Depois de privatizarmos o IRB e atrairmos seguradoras e resseguradoras de todo o mundo, não faria qualquer sentido criar uma estatal para disputar com o mercado privado", afirma Oliveira. O mercado em que a ABGF vai entrar é complexo, mas lucrativo, e vem crescendo exponencialmente.

Desde sua abertura, em 2008, o setor de resseguros no Brasil mais do que dobrou, passando de R$ 3,6 bilhões para R$ 7,8 bilhões em coberturas. Atuam nesse mercado 115 resseguradoras nacionais e estrangeiras, entre elas gigantes como a suíça Swiss Re, a alemã Hannover Re e a mais tradicional delas, a britânica Lloyd"s. Primeira resseguradora internacional autorizada a operar no Brasil, o Lloyds reúne 11 empresas do ramo. "O mercado de seguros brasileiro está entre os 15 maiores do mundo e é muito promissor, principalmente pelas grandes obras de infraestrutura em andamento", diz Marco Castro, presidente do Lloyd"s no Brasil. Atualmente, o faturamento do grupo por aqui está em US$ 315 milhões, uma parcela ainda ínfima para uma receita global de US$ 40,7 bilhões.

Castro, do Lloyd's: "O mercado de seguros brasileiro é muito promissor, principalmente
pelas obras de infraestrutura em andamento"

Castro quer encorpar rapidamente esses números. No dia 9 de março, o Lloyd"s anunciou a chegada ao País do grupo inglês Hiscox, que já possui um contrato de US$ 200 milhões com a Petrobras e vai operar no segmento de resseguros customizados. Segundo ele, o mercado brasileiro passou por transformações profundas, trocando o monopólio do IBR pelo acesso às principais empresas do setor no mundo. "A oferta é muito maior que a demanda e isso tem afetado as empresas brasileiras, que não estão com bons resultados comparados às empresas internacionais", diz o executivo. Para Castro, o petróleo, ao lado das obras de infraestrutura, concentra algumas das principais oportunidades do setor. Ele explica que, até o fim do ano, pelo menos duas novas resseguradoras chegarão ao mercado brasileiro trazidas pelo Lloyd"s.

"Nosso foco é crescer com qualidade, mesmo que em números ainda não tenhamos resultados comparados com países como China." Entre grandes clientes desse mercado está o grupo Odebrecht que criou, há 35 anos, a Odebrecht Corretora de Seguros, que promove a compra de coberturas para as empresas do grupo e também atua na intermediação com as resseguradoras, repassando riscos. "Hoje, interagimos com mais de 70 empresas entre seguradoras e resseguradoras, e a criação da ABGF é muito importante na medida em que oferece alguns serviços que temos dificuldade de encontrar no mercado tradicional", diz Luis Claudio Barretto, presidente da corretora.


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