segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Uma nova chance para a economia

Revista Veja - 01/12/2014
MALU GASPAR

Joaquim Levy no comando da equipe econômica traz a perspectiva de uma mudança radical na política em curso, com a previsão de um desejado controle nos gastos públicos e a volta do combate à inflação. É uma esperança para retomar o crescimento. Resta saber como Dilma conviverá com ideias diferentes das suas

Não foram poucas as vezes em que Sérgio Cabeira como o novo ministro da Fazenda, no lugar de Guido Mantega, deverá levar à exasperação também a presidente Dilma Rousseff. Que assim seja! Passados quatro anos de maquiagens nas contas públicas, manobras fiscais e pouco empenho no controle das despesas, a contabilidade do governo brasileiro corria oral, em seu primeiro mandato no governo do Rio de Janeiro, desabafou a respeito de seu secretário da Fazenda, Joaquim Levy: "Bem que o Lula me disse que esse Levy era um pão-duro!". Pelo seu histórico em cargos públicos e pelas suas convicções acadêmicas, o economista carioca de 53 anos, apresentado na quinta-feira de cair no descrédito. Mudar de rota traz a esperança de uma retomada no crescimento. Diante dos desafios do petrolão, que poderá fragilizar o governo, e do jogo político pesado de um Congresso eleito menos favorável ao diálogo, a correção de rumo na economia pode ser o pilar de sustentação do segundo mandato de Dilma. Levy é um fiscalista. Isso significa que crê na necessidade de manter o equilíbrio do Orçamento, garantindo que as despesas cresçam em ritmo menor que o das receitas. É uma mudança radical em relação a Dilma 1.0 e sua equipe, que vendiam a ilusão de que o Brasil poderia crescer empurrado só pelo crédito. Terminou com o governo gastando um dinheiro que não tinha com empresários que não queriam investir. Dilma 2.0 começa diferente. Isso é motivo de otimismo.
Dilma 1.0 semeou inflação e colheu juros, justamente a acusação que ela passou a campanha presidencial inteira fazendo aos tucanos. Para o PT foi ainda mais cruel. O partido semeou Unicamp e colheu Chicago. Por Unicamp entenda-se a seita instalada na escola de economia da famosa Universidade de Campinas, em São Paulo. Chicago refere-se à universidade americana recordista mundial de ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, com 28 agraciados. Resumindo, o Brasil teve quatro anos de avestruz, enterrando a cabeça na terra para não enxergar os efeitos de desrespeitar certas leis econômicas. O resultado foi crescimento econômico quase nulo, inflação, aumento da miséria, perda da credibilidade e desarranjo do sistema de preços definidos pelo mercado — com as perversas consequências que isso acarreta e que são conhecidas pela humanidade desde a primeira tentativa registrada pela história no Código de Hamurabi, 3 700 anos atrás.

Não surpreende, portanto, o crescimento do PIB do Brasil de Dilma 1.0 ter ficado sempre abaixo da média dos vizinhos latino-americanos, longe de serem conhecidos como locomotivas econômicas. Mas Dilma 2.0 se anuncia diferente. Quem encarna isso é Joaquim Levy, que, até a posse da presidente no segundo mandato, vai trabalhar em um gabinete no Palácio do Planalto. Ao seu lado estará o novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, além do atual e futuro presidente do Banco Central. Alexandre Tombini. A trinca é do ramo. Se deixarem que os três trabalhem sem interferências, ameaças e constrangimentos, a economia brasileira terá muito mais chance de atravessar o difícil ano 9,3% de 2015 sem maiores danos 8,8% do que os já infligidos pelo baixo crescimento de 2014 e pela falta de apetite dos empresários para investir no Brasil.

Chamado de Joaquim "Mãos de Tesoura", o novo comandante da economia aproveitou o anúncio de sua confirmação no cargo, na quinta-feira passada, em Brasília, para emoldurai" sua visão do problema básico da economia brasileira: "Temos a convicção de que a redução de incertezas sobre os objetivos do setor público sempre é um ingrediente importante para a tomada de risco por parte de empresas, trabalhadores e famílias, especialmente nas decisões de aumento de investimento, de capital tísico e humano". Tradução: por medo de que os gastos irresponsáveis do governo quebrassem o Brasil, nem pessoas nem empresas queriam correr o risco de investir. Ao diagnóstico correto seguiu-se a terapia adequada: "As medidas necessárias para o equilíbrio das contas públicas serão tomadas". Também produziu um efeito muito positivo a aparente harmonia da nova equipe econômica. Nelson Barbosa, mais alinhado com o PT. queria ser ministro da Fazenda, mas aceitou assumir o Planejamento e está afinado com Levy: "A continuidade dos processos de inclusão social depende de estabilidade, da inflação, do crescimento da economia, que depende da confiança e da manutenção fiscal e monetária".

Joaquim Levy formou-se em engenharia naval, fez mestrado em economia e doutorou-se na Universidade de Chicago, aquela que teve 28 professores agraciados com o Nobel de Economia e onde, resumindo, se aprende que governos não produzem riqueza e que seus méritos estão em criar condições favoráveis para que os agentes econômicos gerem a riqueza. Ensina-se em Chicago também que sempre que os governos gastam mais do que arrecadam eles pressionam a inflação, o mais cruel dos tributos, pois atinge mais fortemente os mais pobres. Levy trabalhou no Fundo Monetário Internacional, foi vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, e, no governo Lula, ocupou o cargo de secretário do Tesouro. Dilma foi buscá-lo no Bradesco, no qual há cinco anos dirigia a Bram, gestora de recursos do banco.

A presidente teve de assimilai- críticas dos oposicionistas e fogo amigo no próprio partido. Para o PSDB, Dilma simplesmente se rendeu à óbvia constatação de que a maneira dos tucanos de conduzir a economia é a correta. Para o PT, a prioridade foi salvar as aparências com variações da seguinte explicação: não é nosso governo que se adapta a Levy, mas ele que se adapta ao nosso governo. Como o que está em jogo não é a retórica política, mas o bem-estar dos brasileiros, o que conta mesmo é Dilma acertar por conveniência ou pragmatismo em vez de continuar errando por convicção. A indicação de Levy veio de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. Ele foi a primeira opção de Dilma para o cargo, e por pouco não foi convidado. Na derradeira conversa no Planalto, há duas semanas, Trabuco apresentou o nome de Joaquim Levy. Seguiram-se as consultas de praxe de Dilma, sendo Lula o primeiro a ser ouvido. Ele vinha se batendo com a presidente pela necessidade de sinalizar a mudança de rumo na condução da política econômica. O modelo centrado em Dilma que prevaleceu no primeiro mandato havia falido. Mesmo que isso ferisse o ego da presidente, era vital deixar claro que ela não acumularia a Presidência com o cargo de ministro da Fazenda no segundo mandato.

Feito o convite, na quinta-feira 20 de novembro, foi a vez de Levy viver os próprios dilemas. Nas conversas com amigos, disse que Dilma há via sido muito sedutora em sua proposta e confidenciou que estava propenso a aceitá-la. Mas não queria que seu gesto fosse entendido como um mero ato de vaidade, e, principalmente, não tinha certeza sobre até que ponto a presidente de fato compreendia a gravidade da situação fiscal brasileira. Voltou a Brasília na segunda-feira 24 disposto a expor o quadro da forma mais clara possível, assim como os mecanismos que julgava essenciais para consertá-lo. Pelas primeiras declarações do novo ministro da Fazenda e de seus colegas de equipe econômica, presume-se que a visão dele prevaleceu.

Contudo, ninguém tem ilusões de que Levy vá ter uma vida tranquila. Tanto no governo do Rio como em sua passagem anterior por Brasília, no primeiro mandato de Lula, enfrentou constantes pressões de outros membros do governo para aumentar os gastos, mas ganhou autoridade ao alcançar bons resultados. No Tesouro, conseguiu alongar os prazos de
vencimento da dívida pública e assegurou superávits fiscais robustos. No Rio, informatizou e profissionalizou a estrutura da secretaria, reviu benefícios fiscais e promoveu uma caça às receitas, transformando um déficit de 1,8 bilhões de reais em superávit de 3 bilhões. Uma história vivida há dez anos dá uma mostra dos embates que o novo ministro deverá viver na Fazenda. Em 2004, Levy se contrapôs ao hoje ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em uma discussão sobre a meta de inflação. Mercadante, na época líder do governo no Senado, defendia a tese de que a meta subisse, enquanto Levy advertiu que o efeito poderia ser o contrário do desejado. "Sempre se corre o risco de mudar a meta, a inflação subir e aí não ter espaço para que os juros nominais caiam", disse. Quando era secretário, contava com o respaldo total de Palocci e trabalhava em afinidade com outros secretários e também com o então presidente do BC, Henrique Meirelles. Os próximos meses revelarão se Levy gozará agora do mesmo grau de apoio e de autonomia operacional para fazer os cortes necessários e recolocar a economia no caminho do crescimento sustentável.

A reação positiva dos investidores brasileiros e estrangeiros a Levy ficou
DEFASAGEM O governo segurou o preço dos combustíveis para evitar o aumento da inflação, mas o custo do subsídio ficou pesado para os cofres do país e da Petrobras
aquém da euforia. Paira ainda uma dose de ceticismo sobre a autonomia do novo ministro e o grau de tolerância política aos inevitáveis apertos nos gastos. Diz o economista Sérgio Vale, da MB Associados. "Um ministro só não faz verão. A terapia de que precisamos para voltar a crescer é complexa. A combinação de cortes nos gastos públicos, juros em alta e crescimento inexistente tende a ser cruel." Levará tempo para a nova equipe remontar as engrenagens necessárias ao processo de crescimento sustentável da economia. Mas é animador o fato de os esforços, agora, estarem sendo feitos na direção correta. Sem isso, o sofrimento imposto aos brasileiros seria muito maior. A semana passada terminou com um soluço da economia mundial. O preço do petróleo caiu, o dólar subiu em relação às demais moedas. Foi um aperitivo para 2015. Mais uma razão para comemorarmos o fato de ter gente do ramo no comando da economia.

COM REPORTAGEM DE ANA LUIZA DALTRO, CECÍLIA RITTO E MARCELO SAKATE

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