Valor Econômico - 18/12/2014
Ricardo Barboza e Daniel Brum
A economia brasileira atravessou recentemente um período de intensa desvalorização da taxa de câmbio (cerca de 20% desde agosto). Há quem acredite que o câmbio ainda sofrerá desvalorizações adicionais, na medida que avance a normalização da política monetária nos Estados Unidos, nossos termos de troca devem cair ainda mais e haja um eventual rebaixamento da nota de crédito do país.
Diante de movimentos dessa magnitude na taxa de câmbio, cabe perguntar: quais as implicações disso sobre o PIB brasileiro?
A intuição treinada de boa parte dos economistas sugeriria que desvalorizações reais do câmbio têm impactos expansionistas no produto, afinal as exportações líquidas tendem a se elevar. Isto ocorre porque uma desvalorização torna mais competitivos os produtos domésticos comercializáveis vis-à-vis os estrangeiros, elevando nossas exportações e reduzindo as nossas importações, tudo o mais constante.
Estudo mostra que uma desvalorização cambial de 10% tem como efeito reduzir o PIB em 0,3%.
No entanto, existem algumas razões para suspeitar que, no caso da economia brasileira, desvalorizações tenham impactos contracionistas sobre o PIB. Vejamos em detalhes.
Além da melhora nas exportações líquidas, diversos outros efeitos são desencadeados quando o câmbio deprecia. Esses efeitos, contudo, podem implicar uma redução do consumo e do investimento. O primeiro, por exemplo, devido à queda do salário real. Isso se deve ao potencial aumento da inflação, decorrente da depreciação do câmbio (pass-through). No caso de o Banco Central reagir à pressão inflacionária subindo o juro, isso induziria, mediante os canais usuais de transmissão da política monetária, a uma redução do dispêndio privado (consumo e investimento). A propósito, tudo indica que o ciclo de aperto monetário iniciado em outubro deste ano pelo Banco Central foi motivado, em boa medida, pela depreciação recente do câmbio.
O investimento também poderia se reduzir ante uma depreciação cambial, por conta do aumento de preços, em moeda local, dos bens de capital. Vale notar que parte não desprezível do investimento no Brasil se dá via importações de bens de capital. Com efeito, os dados sugerem que aumentos nos preços desses bens estão negativamente correlacionados com o investimento no Brasil.
Ademais, a economia brasileira é extremamente fechada. O Brasil é o país comercialmente mais fechado dentre 156 países membros da Organização Mundial do Comércio, o que sugere que o canal das exportações líquidas deva ter efeito reduzido sobre o PIB. Especificamente, exportações e importações representam algo próximo a 28% do produto brasileiro. Consumo e investimento, por sua vez, somados, representam cerca de 81% do PIB.
Portanto, para que uma desvalorização tenha efeitos expansionistas sobre o nosso PIB, é necessário que seu efeito positivo sobre as exportações líquidas seja substancialmente mais forte do que o potencial efeito negativo sobre o consumo e o investimento.
Para discutir qual dos efeitos predomina, ou seja, qual o resultado de equilíbrio de uma desvalorização cambial, convém analisar a questão mediante modelos capazes de darem conta dessas dinâmicas de maneira conjunta.
iStock/Getty Images
Nesse sentido, podemos recorrer ao modelo de grande porte do Banco Central (o denominado "Samba"). A partir dele, é possível identificar, por meio dos múltiplos canais teóricos, como um choque cambial afetaria as diversas variáveis da economia brasileira, e, por fim, o seu resultado final sobre o PIB.
De fato, segundo o Samba, uma desvalorização cambial tem impacto contracionista no produto. Por um lado, como esperado, a desvalorização promove uma melhora nas exportações líquidas. Por outro, contudo, pressiona a inflação, que é respondida pelo Banco Central com aumento do juro, que, por fim, provoca uma redução do dispêndio privado. Nos primeiros quatro trimestres o efeito líquido sobre o PIB é estatisticamente nulo, porém a partir do segundo ano o efeito negativo sobre o consumo e o investimento se sobrepõe ao efeito positivo nas exportações líquidas.
Nesta mesma direção se encontram as evidências obtidas pelo professor Fabio Kanczuk da FEA/USP, com o seu modelo "Chorinho", cuja denominação se dá em alusão ao modelo "Samba" do Banco Central. Seus resultados sugerem que uma desvalorização cambial de 10% tem como efeito reduzir o PIB em 0,3%.
Em síntese, teoricamente não é descabido pensar que desvalorizações cambiais possam ser contracionistas no Brasil. Ademais, parece existir alguma evidência que fundamenta, de fato, essa proposição.
Ao contrário de almejar fornecer respostas definitivas, esse artigo busca estimular o debate acerca de um tema que nos parece relevante. Em outras palavras, é importante questionar o que parece óbvio, especialmente à luz de algumas evidências em contrário. Como diria Bertrand Russell, "a obviedade é sempre inimiga da verdade".
Ricardo de Menezes Barboza é economista do BNDES, do Grupo de Conjuntura Econômica do IE-Coppead/UFRJ e Professor de Macroeconomia da Coppead.
Daniel Machry Brum é economista do Opportunity e mestre pela PUC-Rio. Este artigo não reflete necessariamente a posição do BNDES e do Opportunity
Diante de movimentos dessa magnitude na taxa de câmbio, cabe perguntar: quais as implicações disso sobre o PIB brasileiro?
A intuição treinada de boa parte dos economistas sugeriria que desvalorizações reais do câmbio têm impactos expansionistas no produto, afinal as exportações líquidas tendem a se elevar. Isto ocorre porque uma desvalorização torna mais competitivos os produtos domésticos comercializáveis vis-à-vis os estrangeiros, elevando nossas exportações e reduzindo as nossas importações, tudo o mais constante.
Estudo mostra que uma desvalorização cambial de 10% tem como efeito reduzir o PIB em 0,3%.
No entanto, existem algumas razões para suspeitar que, no caso da economia brasileira, desvalorizações tenham impactos contracionistas sobre o PIB. Vejamos em detalhes.
Além da melhora nas exportações líquidas, diversos outros efeitos são desencadeados quando o câmbio deprecia. Esses efeitos, contudo, podem implicar uma redução do consumo e do investimento. O primeiro, por exemplo, devido à queda do salário real. Isso se deve ao potencial aumento da inflação, decorrente da depreciação do câmbio (pass-through). No caso de o Banco Central reagir à pressão inflacionária subindo o juro, isso induziria, mediante os canais usuais de transmissão da política monetária, a uma redução do dispêndio privado (consumo e investimento). A propósito, tudo indica que o ciclo de aperto monetário iniciado em outubro deste ano pelo Banco Central foi motivado, em boa medida, pela depreciação recente do câmbio.
O investimento também poderia se reduzir ante uma depreciação cambial, por conta do aumento de preços, em moeda local, dos bens de capital. Vale notar que parte não desprezível do investimento no Brasil se dá via importações de bens de capital. Com efeito, os dados sugerem que aumentos nos preços desses bens estão negativamente correlacionados com o investimento no Brasil.
Ademais, a economia brasileira é extremamente fechada. O Brasil é o país comercialmente mais fechado dentre 156 países membros da Organização Mundial do Comércio, o que sugere que o canal das exportações líquidas deva ter efeito reduzido sobre o PIB. Especificamente, exportações e importações representam algo próximo a 28% do produto brasileiro. Consumo e investimento, por sua vez, somados, representam cerca de 81% do PIB.
Portanto, para que uma desvalorização tenha efeitos expansionistas sobre o nosso PIB, é necessário que seu efeito positivo sobre as exportações líquidas seja substancialmente mais forte do que o potencial efeito negativo sobre o consumo e o investimento.
Para discutir qual dos efeitos predomina, ou seja, qual o resultado de equilíbrio de uma desvalorização cambial, convém analisar a questão mediante modelos capazes de darem conta dessas dinâmicas de maneira conjunta.
iStock/Getty Images
Nesse sentido, podemos recorrer ao modelo de grande porte do Banco Central (o denominado "Samba"). A partir dele, é possível identificar, por meio dos múltiplos canais teóricos, como um choque cambial afetaria as diversas variáveis da economia brasileira, e, por fim, o seu resultado final sobre o PIB.
De fato, segundo o Samba, uma desvalorização cambial tem impacto contracionista no produto. Por um lado, como esperado, a desvalorização promove uma melhora nas exportações líquidas. Por outro, contudo, pressiona a inflação, que é respondida pelo Banco Central com aumento do juro, que, por fim, provoca uma redução do dispêndio privado. Nos primeiros quatro trimestres o efeito líquido sobre o PIB é estatisticamente nulo, porém a partir do segundo ano o efeito negativo sobre o consumo e o investimento se sobrepõe ao efeito positivo nas exportações líquidas.
Nesta mesma direção se encontram as evidências obtidas pelo professor Fabio Kanczuk da FEA/USP, com o seu modelo "Chorinho", cuja denominação se dá em alusão ao modelo "Samba" do Banco Central. Seus resultados sugerem que uma desvalorização cambial de 10% tem como efeito reduzir o PIB em 0,3%.
Em síntese, teoricamente não é descabido pensar que desvalorizações cambiais possam ser contracionistas no Brasil. Ademais, parece existir alguma evidência que fundamenta, de fato, essa proposição.
Ao contrário de almejar fornecer respostas definitivas, esse artigo busca estimular o debate acerca de um tema que nos parece relevante. Em outras palavras, é importante questionar o que parece óbvio, especialmente à luz de algumas evidências em contrário. Como diria Bertrand Russell, "a obviedade é sempre inimiga da verdade".
Ricardo de Menezes Barboza é economista do BNDES, do Grupo de Conjuntura Econômica do IE-Coppead/UFRJ e Professor de Macroeconomia da Coppead.
Daniel Machry Brum é economista do Opportunity e mestre pela PUC-Rio. Este artigo não reflete necessariamente a posição do BNDES e do Opportunity
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