segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Apertem os cintos, o piloto subiu

Revista ISTOÉ Dinheiro - 01/12/2014

Sob o comando de Joaquim Levy, a nova equipe econômica prepara um ajuste fiscal. É o oposto do que a presidenta Dilma defendeu na campanha

Em seu primeiro pronunciamento como ministro indicado da Fazenda, na tarde da quinta-feira 27, o carioca Joaquim Levy, 53 anos, foi cuidadoso no uso das palavras. O objetivo era evitar contradições em relação ao discurso de campanha da presidenta Dilma Rousseff, que prometeu fazer a economia voltar a crescer, como num passe de mágica, sem sacrificar empregos e programas sociais. Porém, na questão fiscal, Levy teve de colocar o dedo na ferida, já que o governo terá, em 2014, um superávit primário de 0,19% do PIB, o pior resultado desde 2001, quando começou a série histórica.

Levy, que é doutor em economia pela ortodoxa Universidade de Chicago, deixou claro que o resgate da credibilidade das contas públicas é pré-condição para o País voltar a crescer. Para isso, prometeu perseguir superávits primários superiores a 2% do PIB em 2016 e 2017 e uma meta menor, de 1,2%, no ano que vem. "Alcançar essas metas é fundamental para o aumento da confiança na economia brasileira e para criar as bases para a retomada do crescimento econômico e a consolidação dos avanços sociais dos últimos anos", disse Levy, ao lado do ministro indicado para o Planejamento, Nelson Barbosa, e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que permanece no cargo.
Recolocar as finanças públicas no azul torna-se um desafio ainda maior num ambiente de baixo crescimento econômico, com expansão prevista de apenas 0,3% do PIB neste ano e de 0,8% em 2015. Sem perspectivas alvissareiras para as receitas, a saída será lançar mão de um pacote de maldades, que inclui elevação da carga tributária e corte de benefícios trabalhistas – exatamente aquilo que Dilma dizia que o seu adversário, o tucano Aécio Neves, iria fazer caso fosse eleito. "Para atingir as metas, o governo terá de ressuscitar alguns impostos como a Cide e a CPMF", diz Manuel Enriquez Garcia, presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

No caso da Cide, que incide sobre a gasolina e o diesel, a cobrança depende apenas de uma canetada do governo, pois a contribuição já existe e foi zerada há dois anos. Para recriar o imposto do cheque, no entanto, seria necessária a aprovação do Congresso. Dentre as opções debatidas pela atual equipe, há uma ideia de cobrar Imposto de Renda das cadernetas de poupança com saldo superior a R$ 50 mil, além do eterno debate acerca de impostos sobre herança e fortuna. No lado dos gastos, a nova cúpula econômica prometeu olhar com lupa todas as possibilidades de cortes, mas a presidenta Dilma já deixou claro que não vai eliminar nenhum dos 39 ministérios.

"Darei continuidade à melhoria da eficiência dos gastos", disse Barbosa, sem dar detalhes. Um ponto que sempre intrigou a atual equipe é o volume excessivo de recursos destinados ao seguro-desemprego num período de farta oferta de postos de trabalho. O combate a fraudes certamente é uma das prioridades, mas o governo não descarta limitar a três o número de parcelas pagas quando o funcionário é demitido. Outra polêmica é a alteração da regra de pensão das viúvas. Hoje, uma jovem de 20 anos que se casa com um senhor de 85 anos pode ficar com a sua remuneração pelo resto da vida em caso de falecimento do marido.

"As metas de superávit de 1,2% em 2015 e de 2% no ano seguinte são bem factíveis", diz Flávio Serrano, economista-sênior do BESI Brasil. "O novo ministro está na direção correta de fortalecer a política fiscal e resgatar a confiança." No campo inflacionário, o trabalho não será menos árduo. Desde que tomou posse, em 2011, Tombini e sua equipe jamais conseguiram se aproximar do centro da meta, de 4,5%. Para 2015, o mercado projeta inflação de 6,45%. "O patamar ainda elevado da inflação reflete, em parte, o realinhamento dos preços domésticos em relação aos internacionais e o realinhamento dos preços administrados em relação aos preços livres", disse o presidente do BC, que justificou a decisão de iniciar, em outubro, um novo ciclo de alta dos juros.

Na questão cambial, Tombini rebateu as críticas de que há uma intervenção exagerada no mercado e ressaltou que o programa de swap cambial, que já ofertou mais de US$ 100 bilhões, corresponde a menos de 30% das reservas cambiais. "Entendemos que o estoque de derivativos cambiais ofertados pelo BC até o presente momento já atende de forma significativa à demanda por proteção cambial da economia." Diante da falta de detalhamento do pacote de maldades, a reação do mercado financeiro foi tímida. A Bolsa de Valores teve uma leve queda, de 0,6%, na quinta-feira 27, e o dólar subiu 0,9%, para R$ 2,53. Para o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que recusou o convite para assumir o Ministério da Fazenda, "a presidenta Dilma reafirmou o compromisso com o desenvolvimento, a estabilidade e a gestão competente da política econômica".

E completou: "Promoveu continuidade com renovação, numa transição sem sobressaltos". A definição da nova equipe econômica também gerou manifestações positivas das entidades do setor produtivo. Além da qualidade técnica dos novos gestores da política econômica, a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) destaca "a consciência demonstrada quanto à necessidade de ajustes internos que venham a corrigir os rumos atuais da economia". Já a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pede responsabilidade e visão de futuro. "São pessoas sérias, preparadas e esperamos que consigam alcançar o melhor resultado", afirma Paulo Skaf, presidente da Fiesp.

Pontuais na sua primeira aparição conjunta, algo cada vez mais raro em Brasília, os três integrantes da nova equipe econômica também chamaram a atenção por um acessório que, para muitos, é um símbolo da seriedade: os óculos. Quem já trabalhou com Joaquim Levy, o novo homem forte da economia, sabe que ele é competente, exigente e gosta de enviar mensagens para a sua equipe 24 horas por dia. No período de transição, o seu trabalho será feito em uma sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, ao lado do gabinete da Presidência da República. Questionado se terá liberdade para trabalhar, Levy disse que "a autonomia está dada". Ou como bem definiu o economista Roberto Luís Troster: "Ele não trocaria um salário de R$ 1 milhão por ano no Bradesco por R$ 26 mil mensais, em Brasília, se não tivesse autonomia para melhorar o País".

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