segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Prepare-se: o dólar vai subir

Revista Veja - 15/12/2014
A recuperação dos EUA valoriza a moeda americana em todo o mundo. No Brasil, a alta é reforçada pelas fragilidades do país na economia

ANA LUIZA DALTRO

Maior produtora mundial de minério de ferro, a Vale divulgou no dia 30 de outubro um prejuízo de 3,4 bilhões de reais no terceiro trimestre. O menor crescimento nas compras feitas pela China, cuja economia vem se expandindo menos, não explica completamente os números ruins. A empresa informou que o prejuízo ocorreu principalmente por causa da variação no preço do dólar, que impactou as dívidas da empresa, levando a uma perda de 6,2 bilhões de reais. Trata-se apenas de um exemplo dos efeitos sobre a economia de uma virada na cotação da moeda americana. Na semana passada, o dólar chegou perto de 2,70 reais, o maior preço desde abril de 2005. A valorização não tem sido mais acentuada apenas por causa das intervenções do Banco Central. Do contrário, estimam os economistas, a cotação certamente já estaria rondando os 3 reais.

Parte da alta decorre de causas externas. Os Estados Unidos, embora distantes da exuberância pré-crise, dão sinais de uma fase de recuperação mais sólida. Espera-se para o próximo ano uma elevação das taxas de juros no país. O dólar vem ganhando força em relação a praticamente todas as moedas internacionais pelo fato de que existem boas oportunidades de investimento na economia americana, o que atrai maior volume de capitais para o país. Ao mesmo tempo, o esfriamento na China reduziu a demanda por commodities, como metais e petróleo. O estoque mundial de grãos se recuperou, dando fim ao ciclo de alta da soja e dos cereais. As commodities também se beneficiaram do fato de ser usadas como uma espécie de reserva de valor quando há um grau mais elevado de incertezas na conjuntura externa. Essa fase, no entanto, parece ter ficado para trás.

Assim sendo, os grandes exportadores dessas matérias-primas são aqueles mais atingidos neste momento. O peso chileno, o rand sul-africano, o peso colombiano e o dólar australiano estão entre as moedas que mais perderam valor em relação à americana desde o ano passado, bem como o real. Até mesmo a coroa norueguesa se enfraqueceu, reflexo da queda no preço do petróleo. No caso brasileiro, entretanto, pesam também os fatores internos. Aumentou o déficit do país nas transações internacionais de comércio, ou seja, saem mais dólares do que entram na economia. A diferença precisa ser coberta por empréstimos e investimentos estrangeiros, mas esses também já não ingressam na mesma intensidade. A tendência, portanto, é de enfraquecimento do real. Por fim, o Brasil cresceu pouco nos últimos anos e a perspectiva atual é de mais um ou até dois anos de avanço medíocre, o que significa baixa capacidade de atrair investimentos. Para não falar nos possíveis efeitos do petrolão, cujos desdobramentos poderão trazer dificuldades financeiras para a Petrobras e outras empresas ligadas a ela.

Desse modo, os brasileiros deverão se acostumar com o dólar mais elevado. A equipe de analistas do banco Itaú elevou de 2,70 reais para 2,80 reais a estimativa de cotação da moeda americana para o fim de 2015. Certamente não é fácil antecipar movimentos cambiais, sempre sujeitos a grande volatilidade, mas a tendência é clara. Os ventos favoráveis ao real ficaram para trás. A população já sente o aumento dos preços dos produtos importados e também das viagens internacionais. Os efeitos estendem-se também sobre o valor de mercadorias cujos insumos são cotados em dólar. Para as empresas exportadoras, o real mais fraco pode significar um incentivo adicional. Como o Brasil exporta essencialmente commodities, e elas se desvalorizaram, o efeito, porém, acaba se anulando. O dólar mais caro é um risco sobretudo para as companhias altamente endividadas em dólar. Levantamento da Economática mostra que o estoque da dívida em moeda estrangeira entre as maiores empresas brasileiras pulou do equivalente a 60 bilhões de reais, em 2010, para 133 bilhões de reais. Entre as companhias com maiores dívidas em dólar estão a oi, a JBS e a Eletrobras, além da Petrobras, a empresa mais endividada do planeta. O custo do dinheiro estrangeiro é menor, e não há nada de errado em usá-lo. A questão é saber se algumas empresas assumiram riscos acima de suas possibilidades, como ocorreu tantas vezes em crises cambiais passadas. Espera-se que, desta vez, o país esteja mais preparado, e a valorização cíclica do dólar não se transforme em uma tormenta.

O efeito Levy e os juros

Certos fundamentos econômicos são inabaláveis mesmo diante de fundamentalismos ideológicos. Uma política fiscal expansionista, com ampliação dos gastos públicos acima do ritmo geral da economia, resulta no aumento da chamada demanda agregada, o que força os preços para cima. No caso do Brasil, faz-se necessária uma dose maior da política monetária, ou seja, juros mais altos, para compensar essa pressão. É o quadro brasileiro nos três últimos anos. Em 2014, até outubro, o governo expandiu os gastos em 13%. O Banco Central precisou elevar a taxa Selic, que, nos últimos vinte meses foi de 7,25% para 11,75%. A inflação pouco cedeu. Mas a expectativa é que essa relação de forças comece a mudar. A nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e o seu compromisso de empregar "as medidas necessárias para o equilíbrio das contas públicas" já influenciam as decisões do BC. Os diretores da instituição, presidida por Alexandre Tombini, esperam, agora, contar com a ajuda do governo, por meio da limitação dos gastos, no combate à inflação. Se isso ocorrer de fato, aumentará a eficiência da política de juros. Ainda assim, o BC espera derrubar a inflação para o centro da meta, de 4,5% ao ano, somente em 2016. Os analistas continuam céticos.

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