Autor(a): SAMIR KEEDI
Economista com especialização na área de transportes internacionais.
Como costumamos dizer, este é um país, no mínimo, estranho. Tudo é diferente dos demais países. Ainda não sabemos quem está certo, nós ou o mundo. Quando as coisas são feitas para melhorar, alguma coisa piora, quando não tudo. Nosso governo é o Midas ao contrário. Tocando ouro e platina, viram ferro. Se não é proposital, é a incompetência máxima. Há algum tempo, o País começou a trabalhar com porto sem papel. Ninguém pode ser contrário. Mas como é Brasil, tinha de ser diferente, capenga, com erros e tudo o que merecemos.
Assim, a Receita Federal do Brasil (RFB) resolveu inovar, de novo. Pior, sair da sua competência para piorar e complicar. Determinou que a carga, agora, deve ser entregue sem a apresentação do conhecimento de embarque.
No caso do transporte marítimo, sem a entrega do Bill of Lading (B/L) ou o Sea Waybill. Ela desconhece as funções desses documentos. O B/L, por exemplo, é contrato de transporte, recibo de carga e título de crédito. E, como título de crédito, vale mercadoria. Pode ser consignado à ordem ou à ordem de alguém ou a alguém. E, sendo à ordem, de alguma forma pode ser endossado. Portanto, pode mudar de mãos por endosso.
A RFB passou por cima da sua competência. E do Código Comercial Brasileiro, que é a Lei nº 556, de 25/06/1850. Velho, antigo, mas válido, por enquanto. Por cima dos interesses dos interessados, como os transportadores e os fiéis depositários. Ao determinar que a carga, para ser retirada, não necessita mais da apresentação do conhecimento de embarque, ela criou um problema para os demais intervenientes no comércio exterior.
Com isso, criou-se a insólita situação, agora possível, de retirada da mercadoria por um terceiro não interessado. Também a discutível situação de alguém retirar uma carga sem o pagamento do frete ao transportador. Ou das despesas gerais. E, talvez um problema maior do que para o próprio transportador de fato, o armador dono de navio, um extra para o Non Vessel Operating Commom Carrier (NVOCC), transportador virtual, pois não dono nem operador de navio. Mas transportador, e não agente de carga como é tratado comumente, até pelas nossas autoridades e RFB, que o desconhecem de fato.
A RFB, se acionada, pelo que sabemos, a menos que estejamos com informação errada, só tem a dizer que esse não é um problema dela, mas sim o porto sem papel. Muito estranho não se inteirar do que representa um conhecimento de embarque. Entrar em seara alheia sem "conhecimento" (sic). Ou seja, agir como o deus supremo do País. Não se importando com nada. Aliás, consoante o que sempre apregoamos, que a RFB é o verdadeiro governo deste País, que não deve satisfação a quem quer que seja. Nem ao governo.
Ela tem de se conscientizar que não manda no País. Que não pode fazer o que quer. Que há normas a seguir. Falamos mais especificamente do conhecimento de embarque marítimo, o B/L, mas isso é válido para todos eles. Para o Sea WaybilI, inclusive o Air Waybill (AWB), que, mesmo ambos não sendo títulos de crédito, não podendo ser endossados e transferidos, são títulos de propriedade, e valem mercadoria, bem como os demais modos de transporte.
Além de não requerer mais que o depositário retenha os originais dos conhecimentos para que entregue as cargas, a RFB ainda proibiu que outros documentos fossem exigidos. Isso vale dizer que ela interfere na gestão dos terminais, afetando a relação criada no âmbito dos contratos de depósito (armazenagem). Não exigir que o despacho fosse instruído com os conhecimentos originais estaria dentro do âmbito de atuação e limites de poder da RFB. Mas interferir na relação dos depositários com seus clientes, já é demais. Não houvesse tal proibição, os terminais poderiam continuar exigindo outros controles, que dariam certeza à entrega das cargas, inclusive respeitando o bloqueio por falta de pagamento de fretes.
O Brasil assinou a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos Internacionais de Compra e Venda (Convenção de Viena de 1980), que, em seu artigo 58 (2), permite a expedição das cargas ao destino, tendo os documentos de embarque como garantia de pagamento:
"(2) Se o contrato envolver transporte das mercadorias, o vendedor poderá expedi-las com a condição de que as mercadorias ou os documentos que as representarem só sejam entregues ao comprador contra o pagamento do preço."
Ora, como pode a RBF emitir ato (norma infralegal, diga-se) frontalmente contrário a uma Convenção Internacional à qual o Estado soberanamente aderiu? Certo é que isso causará arranhões profundos à já desgastada imagem do nosso Brasil...
Economista com especialização na área de transportes internacionais.
Como costumamos dizer, este é um país, no mínimo, estranho. Tudo é diferente dos demais países. Ainda não sabemos quem está certo, nós ou o mundo. Quando as coisas são feitas para melhorar, alguma coisa piora, quando não tudo. Nosso governo é o Midas ao contrário. Tocando ouro e platina, viram ferro. Se não é proposital, é a incompetência máxima. Há algum tempo, o País começou a trabalhar com porto sem papel. Ninguém pode ser contrário. Mas como é Brasil, tinha de ser diferente, capenga, com erros e tudo o que merecemos.
Assim, a Receita Federal do Brasil (RFB) resolveu inovar, de novo. Pior, sair da sua competência para piorar e complicar. Determinou que a carga, agora, deve ser entregue sem a apresentação do conhecimento de embarque.
No caso do transporte marítimo, sem a entrega do Bill of Lading (B/L) ou o Sea Waybill. Ela desconhece as funções desses documentos. O B/L, por exemplo, é contrato de transporte, recibo de carga e título de crédito. E, como título de crédito, vale mercadoria. Pode ser consignado à ordem ou à ordem de alguém ou a alguém. E, sendo à ordem, de alguma forma pode ser endossado. Portanto, pode mudar de mãos por endosso.
A RFB passou por cima da sua competência. E do Código Comercial Brasileiro, que é a Lei nº 556, de 25/06/1850. Velho, antigo, mas válido, por enquanto. Por cima dos interesses dos interessados, como os transportadores e os fiéis depositários. Ao determinar que a carga, para ser retirada, não necessita mais da apresentação do conhecimento de embarque, ela criou um problema para os demais intervenientes no comércio exterior.
Com isso, criou-se a insólita situação, agora possível, de retirada da mercadoria por um terceiro não interessado. Também a discutível situação de alguém retirar uma carga sem o pagamento do frete ao transportador. Ou das despesas gerais. E, talvez um problema maior do que para o próprio transportador de fato, o armador dono de navio, um extra para o Non Vessel Operating Commom Carrier (NVOCC), transportador virtual, pois não dono nem operador de navio. Mas transportador, e não agente de carga como é tratado comumente, até pelas nossas autoridades e RFB, que o desconhecem de fato.
A RFB, se acionada, pelo que sabemos, a menos que estejamos com informação errada, só tem a dizer que esse não é um problema dela, mas sim o porto sem papel. Muito estranho não se inteirar do que representa um conhecimento de embarque. Entrar em seara alheia sem "conhecimento" (sic). Ou seja, agir como o deus supremo do País. Não se importando com nada. Aliás, consoante o que sempre apregoamos, que a RFB é o verdadeiro governo deste País, que não deve satisfação a quem quer que seja. Nem ao governo.
Ela tem de se conscientizar que não manda no País. Que não pode fazer o que quer. Que há normas a seguir. Falamos mais especificamente do conhecimento de embarque marítimo, o B/L, mas isso é válido para todos eles. Para o Sea WaybilI, inclusive o Air Waybill (AWB), que, mesmo ambos não sendo títulos de crédito, não podendo ser endossados e transferidos, são títulos de propriedade, e valem mercadoria, bem como os demais modos de transporte.
Além de não requerer mais que o depositário retenha os originais dos conhecimentos para que entregue as cargas, a RFB ainda proibiu que outros documentos fossem exigidos. Isso vale dizer que ela interfere na gestão dos terminais, afetando a relação criada no âmbito dos contratos de depósito (armazenagem). Não exigir que o despacho fosse instruído com os conhecimentos originais estaria dentro do âmbito de atuação e limites de poder da RFB. Mas interferir na relação dos depositários com seus clientes, já é demais. Não houvesse tal proibição, os terminais poderiam continuar exigindo outros controles, que dariam certeza à entrega das cargas, inclusive respeitando o bloqueio por falta de pagamento de fretes.
O Brasil assinou a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos Internacionais de Compra e Venda (Convenção de Viena de 1980), que, em seu artigo 58 (2), permite a expedição das cargas ao destino, tendo os documentos de embarque como garantia de pagamento:
"(2) Se o contrato envolver transporte das mercadorias, o vendedor poderá expedi-las com a condição de que as mercadorias ou os documentos que as representarem só sejam entregues ao comprador contra o pagamento do preço."
Ora, como pode a RBF emitir ato (norma infralegal, diga-se) frontalmente contrário a uma Convenção Internacional à qual o Estado soberanamente aderiu? Certo é que isso causará arranhões profundos à já desgastada imagem do nosso Brasil...
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