segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

ISS nas exportações de serviços financeiros

Vinícius Branco
Valor Econômico - 24/02/2014

A inserção do Brasil no mundo globalizado, que ganhou força com o Programa Nacional de Desestatização e com a flexibilização das normas cambiais iniciada na década de 90, abriu novas oportunidades aos investidores estrangeiros. Esse cenário provocou expressivo aumento no volume e valor dos serviços prestados pelas instituições do sistema financeiro, em particular bancos de investimento e sociedades corretoras de valores.

A participação dessas entidades na prestação de serviços se intensificou à medida que o país passou a ser considerado atrativo e seguro pelos investidores estrangeiros.

O reposicionamento do Brasil no cenário mundial e a expectativa de que o país viesse a conquistar boa fatia do mercado de serviços não passaram despercebidos pelo legislador, que através da Emenda Constitucional nº 37, de 17 de março de 1993, excluiu as exportações de serviços da incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

O ISS não incide sobre serviços prestados a não residentes por instituições financeiras com sede no Brasil

Ao disciplinar essa exoneração, a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, ressalvou que a ela não fazem jus os serviços desenvolvidos no Brasil cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.

Merece, pois, cuidadoso exame a expressão “resultados verificados no Brasil”, fundamental para determinar a sujeição dessa atividade à incidência do ISS, pois a análise afoita do termo poderia levar o intérprete à equivocada conclusão de que o local em que o serviço é prestado seria determinante para a aplicação da norma de exclusão, o que colocaria a LC nº 116/03 em choque com o comando constitucional a que é submissa.

No costume geral dos negócios, entende-se como “exportação” a transferência de uma riqueza para o exterior mediante contraprestação econômica. Por essa razão, o local em que se verifica o resultado deve ser sempre entendido como aquele em que o serviço foi efetivamente consumido, pois é lá que o tomador faz uso e aufere a vantagem por ele proporcionada.

Quando um não residente saca recursos em um caixa automático no Brasil, o resultado será produzido no Brasil. O ISS será devido ao município em que estiver o caixa eletrônico, independente do local em que for feito o pagamento da tarifa correspondente.

Já na situação em que uma sociedade estrangeira transmite uma ordem de venda de ações a uma corretora brasileira, o resultado será auferido no exterior, pois é lá que o serviço de corretagem é consumido. Irrelevante o local em que estão localizados os bens objeto de negociação, e sim o local em que o serviço de corretagem foi disponibilizado e usufruído.

Esse entendimento se aplica às demais atividades prestadas a não residentes por bancos de investimento e corretoras de valores, como a custódia de ativos; gestão e administração de fundos e carteiras de investimento; assessoria econômico-financeira e realização de estudos de viabilidade que normalmente precedem as operações de IPO e M&A; emissão, distribuição e colocação, no Brasil, de títulos e valores mobiliários emitidos por sociedade estrangeira; intermediação (corretagem) na compra e venda de títulos e valores mobiliários.

Não impressiona, aliás, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferida no Recurso Especial nº 831.124-RJ, que concluiu, por maioria de votos (vencido o Ministro Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal – STF), pela incidência do ISS na atividade de reparo e testes de turbinas de aeronaves de propriedade de sociedade estrangeira realizada no Brasil.

Essa decisão, além de equivocada por ignorar que os efeitos dos serviços prestados no Brasil foram produzidos fora do país, não se aplica aos serviços típicos das instituições financeiras e equiparadas, cuja prestação não implica ingresso de ativos estrangeiros para aperfeiçoamento em território brasileiro e sua posterior devolução ao exterior.

Fosse essa a intenção do legislador, a lei teria exonerado de tributação apenas os serviços executados fora do território brasileiro, não havendo razão para condicioná-la à prestação de serviços cujo resultado fosse produzido no exterior.

Serve como alento a recente e corajosa decisão das Câmaras Reunidas do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT) – última instância na esfera administrativa municipal, declarando não haver incidência do ISS nos serviços de consultoria prestados a fundos de investimentos localizados no exterior.

Em resumo, o ISS não incide sobre serviços prestados a não residentes por instituições financeiras e equiparadas com sede no Brasil, desde que seja consumido no exterior, pois lá será produzido o resultado pretendido pelo tomador.

Qualquer outra interpretação atribuída à LC nº 116/03 implicaria frustração do seu principal objetivo e do comando constitucional de desonerar a exportação de serviços.

Vinícius Branco é sócio de Levy & Salomão Advogados

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