sexta-feira, 18 de maio de 2012

Saída da Grécia traria grandes riscos para o futuro do euro

Valor Econômico - 18/05/2012
Por Martin Wolf | Financial Times


A irritação da zona do euro com a Grécia alcançou níveis extremos. Afinal, 80% dos gregos dizem ser a favor da permanência na zona do euro, mas não elegem políticos preparados para implementar o programa pactuado. Isso deixa os credores loucos. Eles estão cada vez mais inclinados a aceitar a saída da Grécia do bloco da moeda única, até a festejam. Mas precisam ter cuidado com o que desejam.

Uma saída criará graves perigos. O perigo do contágio é óbvio. Já o perigo de longo prazo é mais sutil. Mas ou a zona do euro é uma união monetária irrevogável ou não é. Se países com dificuldades saem, não é. Seria, nesse caso, um sistema de moeda fixa excepcionalmente rígido. Isso terá dois resultados terríveis: as pessoas não confiarão em sua sobrevivência e as vantagens econômicas da moeda única em grande medida desaparecerão.

Esses perigos não ameaçam só a zona do euro. A região é a segunda maior economia mundial, dotada do maior sistema bancário do planeta. O risco de que uma convulsão de maiores proporções do euro cause uma crise global é real. A probabilidade de que as crises da zona do euro se tornem características permanentes da economia mundial é igualmente alarmante.

O risco de que uma convulsão de maiores proporções na zona do euro cause uma crise global é real.
Quais são, então, os perigos?

Comecemos com a Grécia. O país vive um círculo vicioso. O desemprego disparou de 7% da força de trabalho, em maio de 2008, para 22% em janeiro de 2012, e a taxa de desemprego da população com menos de 25 anos saltou de 21% para 51%. E, o que é pior, apesar da austeridade fiscal e da renegociação da dívida, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o dívida pública bruta corresponderá a 160% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, 50 pontos percentuais a mais que em 2008. Além disso, o FMI prevê que o déficit em conta corrente - a balança do comércio de produtos e serviços - vai superar 7% do PIB este ano.

Em vista disso, a economia ficará pouco competitiva e deprimida por anos, talvez décadas. Não surpreende que um Estado grego inepto tenha entrado em colapso. Agora, políticos que acreditam que podem obter condições melhores podem chegar ao poder. Isso cria um grande dilema potencial para financiadores externos: dar mais dinheiro à Grécia para aliviar a dor ou cumprir o programa e se arriscar a promover seu colapso.

Em vista disso, quais seriam as consequências de um colapso?

Uma suspensão do financiamento oficial externo desencadearia um colapso desordenado. O governo daria um calote. O Banco Central Europeu (BCE) argumentaria que os bancos gregos não têm mais boas garantias, o que poderia impedi-lo de operar como financiador de último recurso. Haveria amplas corridas aos bancos. Atenas imporia controle cambial, lançaria uma nova moeda, redenominaria contratos domésticos e daria um calote nos contratos externos denominados em euros.

Seria o caos. Policiais e soldados que não recebem seus salários são pouco tendentes a manter a ordem. Poderão ocorrer saques e tumultos de rua. Não seriam de se descartar um golpe ou uma guerra civil. Qualquer nova moeda se desvalorizaria, e a inflação dispararia.

No médio prazo, porém, a ordem poderá ser restabelecida. Suponhamos que a Grécia consiga controlar seu déficit público, o que não é inconcebível, uma vez que o FMI prevê o déficit primário (antes do pagamento de juros) em 1% do PIB neste ano. Suponhamos que os exportadores do país sigam tendo acesso ao mercado da União Europeia (UE). Nesse caso, como argumenta Arvind Subramanian, do Instituto Peterson de Economia Internacional, a Grécia poderia viver um sólido (mas talvez temporário) surto de crescimento.

Uma saída ordenada desembocaria, em boa medida, na mesma situação, só que mais cedo. Instituições externas poderiam respaldar o sistema bancário e pagar os beneficiários dos gastos públicos durante a transição para uma nova moeda. Isso restringiria a agitação social e reduziria o colapso monetário e a alta da inflação.

Num estudo instigante, "EMU Break-up: Pay Now, Pay Later", Mark Cliffe, do ING, avalia as consequências de uma saída da Grécia da zona do euro. Ele pressupõe, em primeiro lugar, que as proteções a outros países tornariam essa saída um acontecimento singular. O resultado seria um abalo administrável, com uma queda de 4 pontos da produção entre 2012 e 2014 na Grécia e de até 2 pontos em outros países da zona do euro, comparativamente às projeções que não pressupõem rompimento do bloco. Mas as moedas de países não pertencentes à zona do euro se valorizariam, com efeitos negativos sobre suas economias também.

Mas limitar o impacto não seria fácil. Uma saída da zona do euro por parte da Grécia, especialmente se desordenada, deverá desencadear corridas aos bancos em Portugal, Irlanda, Itália e Espanha, e mesmo mais longe. Poderia também levar ao colapso dos preços dos ativos financeiros e outros. A fuga para a segurança, para a Alemanha ou para além da zona do euro, poderia se acelerar.

O círculo vicioso a que outros países estão presos poderá piorar bastante. A taxa oficial de desemprego da Espanha era de 24% em março - mais de 50% entre a população jovem. O FMI prevê que o déficit fiscal geral do governo será de pouco mais de 6% este ano.

Com o PIB real encolhendo, a posição fiscal espanhola está piorando rapidamente: a dívida bruta deverá aumentar de 36% do PIB, em 2007, para 79% este ano. Os rendimentos (yields) dos bônus do governo estão acima de 6%. Um aumento muito maior dessa taxa não poderia ser administrado.

Uma resposta decisiva da zona do euro seria necessária para impedir um contágio grave. O BCE precisaria agir como financiador de última instância em uma escala ilimitada, substituindo o dinheiro retirado na corrida aos bancos. As taxas de juros sobre a dívida soberana teriam que receber um teto via medidas externas, como esquemas de apoio a bônus e sistemas bancários recapitalizados.

Acima de tudo, o compromisso de manter o resto da zona do euro unida precisa ser reforçado. Isso exigiria formas mais fortes de solidariedade fiscal, provavelmente eurobônus. E, por último, mas não menos importante, seria preciso abandonar a crença de que os países podem passar fome para voltar à saúde na ausência do crescimento econômico e provavelmente de um núcleo da inflação maior.

Suponhamos que esses esforços não se realizem e a zona do euro se desintegre. Cliffe tentou avaliar esse evento. Ele conclui que o impacto sobre o PIB seria enorme, especialmente para a Alemanha. Assim, "em 2012 uma recessão profunda se abate sobre toda a Europa, arrastando junto a economia mundial. Na zona do euro, a queda da produção industrial vai de 7% na Alemanha a 13% na Grécia. As experiências individuais dos países iriam variar, dependendo da exposição ao comércio internacional e às interligações financeiras".

A inflação dispararia na periferia da zona do euro; nos principais países, haveria deflação. A inflação iria corroer a montanha de dívida dos países periféricos, desde que elas fossem logo redenominadas nas novas moedas nacionais. O valor dos ativos estrangeiros dos principais países iria cair, suas novas moedas iriam disparar em relação às moedas dos parceiros de outrora e suas economias encolheriam. Seria doloroso para todos.

Ou a zona do euro é uma união monetária irrevogável ou não é. Se países com dificuldades saem, não é. 
Essa análise pode ser até otimista demais em sua estimativa do impacto de uma ruptura total. O mecanismo em ação seria poderoso: corridas bancárias; a imposição de controles (ilegais) de câmbio; incertezas legais; colapso nos preços dos ativos; mudanças imprevisíveis nos balanços das empresas; congelamento do sistema financeiro; rompimento da atividade de banco central; colapso nos investimentos e comércio; variações enormes nas taxas de câmbio das novas moedas. Novos socorros governamentais a sistemas financeiros certamente seriam necessários, a um grande custo. Grandes recessões também agravariam posições fiscais já danificadas.

Tal desmanche também desencadearia legiões de processos. Além disso, a UE seria lançada em um limbo legal e político, com seus tratados mais importantes e suas maiores conquistas, despedaçados. É impossível imaginar qual seria o resultado de uma mudança tão profunda na ordem europeia.

Qual seria, então, o impacto de uma ruptura total do euro para os países de fora da zona do euro? O Reino Unido está muito exposto no lado real e no lado financeiro, e poderia sofrer uma queda de 5% na produção industrial, segundo Cliffe. A Europa central e do leste também seria atingida. Os EUA sofreriam ao menos uma recessão branda, assim como o Japão.

Mais uma vez, as ramificações mais amplas da implosão da ordem legal e política da Europa são potencialmente ainda mais significativas. Elas provavelmente não seriam tão perigosas quanto os eventos da década de 1930, mas poderiam ter consequências incalculáveis. Aceitas as estimativas de Cliffe, elas poderiam, de qualquer maneira, ser piores que as resultantes da quebra do Lehman Brothers em 2008. Isso é perfeitamente plausível. A implicação é que isso não pode ser permitido.

Mas uma saída da Grécia aumentaria muito a probabilidade de tal resultado, tanto agora como num futuro não definido, ao mostrar que o euro não é para sempre. Todo mundo então teria que levar em conta, a qualquer momento, a possibilidade de uma desintegração do euro. Se se acreditar que há um risco sério disso, as taxas de juros podem explodir em termos generalizados nos países mais fracos. Além disso, em tais circunstâncias, a austeridade fiscal, exaurindo a atividade industrial, não melhoraria a atratividade das obrigações financeiras dos tomadores mais fracos. Na verdade, é quase certo que ela seria reduzida, aumentando ainda mais as taxas de juros.

Os perigos seriam agravados por uma saída da Grécia, e ainda mais se for uma saída bem sucedida. Assim, se a Grécia sair, a zona do euro terá que fazer mudanças fundamentais para tornar sua sobrevivência menos dolorosa e, desse modo, mais crível. Se isso for impossível, conforme muitos supõem, a irrevogabilidade teria que ser vista como uma miragem, que por sua vez garantiria a repetição de grandes crises. Isso destruiria os argumentos econômicos a favor da união cambial ao minar a integração financeira e tornar os investimentos de longo prazo que dependem de acesso a toda a economia da zona do euro muito mais arriscados. Isso é um pesadelo.

A saída da Grécia criaria, assim, uma escolha entre grandes mudanças rumo a uma união mais forte e um futuro de crises intermináveis. É uma escolha que a nação credora dominante, a Alemanha, precisa fazer: entre mais grandes passos de integração, que deixam horrorizados muitos alemães, um futuro de crises terríveis ou uma ruptura do euro agora mesmo. Não existem boas escolhas. Mas a zona do euro precisa se tornar uma união mais forte, ou irá desaparecer.

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