Valor Econômico - 24/05/2012
Por César Felício | De Buenos Aires
Empresas argentinas começam a postergar a assinatura de contratos esperando um novo patamar do dólar. A moeda americana ultrapassou ontem seis pesos no mercado paralelo, enquanto no mercado oficial era negociada a 4,49 pesos. Com isso, a brecha entre as duas cotações chegou nesta semana ao patamar de 37%, algo que não ocorria no país desde os anos 80.
Um pacote de medidas envolvendo o câmbio é considerado iminente. "Todos nós sabemos o que está por vir. No momento em que se discute orçamento, não se pensa na inflação passada, mas em descontar a desvalorização", comentou Guillermo Vivot, executivo da empresa espanhola de software Softland, que lida com uma carteira de 25 mil clientes. Vivot comentou que contratos que deveriam ter sido fechados neste mês estão sendo adiados para setembro.
Na Argentina, desde os anos 70 a moeda americana é a opção preferencial de reserva de valor e referencial da economia, ainda que todas as transações, exceto as de comércio exterior e imobiliárias, estejam na moeda local. A inexistência de um índice confiável de inflação reforçou essa tendência. A confiança baixa no peso faz com que as linhas de crédito sejam curtas e as empresas sejam cautelosas ao investir, para não operarem com capacidade ociosa.
O dólar clandestino girava um valor em torno de 2% do mercado legal - da ordem de US$ 400 milhões por dia - até o ano passado. Nas últimas semanas, a estimativa extraoficial é que o valor que transita pelas casas de câmbio ilegais, ou "cuevas", tenha atingido 15% do montante oficial - que se reduziu para US$ 375 milhões.
A dolarização informal da economia argentina é um fenômeno antigo e consolidado. Segundo dados divulgados pela empresa de consultoria Econométrica, em 2010 estavam em mãos de argentinos, seja em depósitos bancários, entesourados nas casas ou em contas no exterior, nada menos que US$ 173 bilhões, ou cerca de 30% do PIB. De acordo com a consultoria, em média, o país destina anualmente 2,4% do PIB para a compra de moeda estrangeira.
A dificuldade de se fechar negócios na Argentina está relacionada com a estratégia do governo desde a reeleição da presidente Cristina Kirchner, em outubro do ano passado. O governo mantém a valorização da moeda americana abaixo até mesmo da inflação oficial de 9%, que já não é usada como referencial de contratos no país. Ao longo de 2011, por exemplo, o peso se desvalorizou 7%.
A compra de dólares por pessoas físicas foi limitada em novembro, e a compra por pessoas jurídicas está severamente controlada desde fevereiro, seja com barreiras às importações ou obrigando exportadores a liquidarem divisas no país em 15 dias. Sem acesso ao mercado oficial, os investidores argentinos migraram para o dólar negro - chamado de "blue" no país.
"Um câmbio paralelo tão alto mostra a dúvida dos investidores em relação a um dos fundamentos da política do governo. Não está ligada à queda das exportações de soja ou a necessidades de importação do governo. É gente assustada. A Argentina está com um atraso cambial que é de 20% em relação à cotação atual, não de 30%", disse um crítico do governo, o consultor Miguel Kiguel, que foi subsecretário de Economia nos três últimos anos do governo Menem.
Até mesmo economistas ligados ao oficialismo começaram a trabalhar com um cenário de depreciação oficial do peso. Mas nesse caso a perda de competitividade com o Brasil seria a principal razão. "A cotação paralela nunca vai ser referencial da economia, mas o dólar valendo mais de dois reais no Brasil traz muito desconforto. A correção do peso vai ser feita e vamos para um outro patamar", disse Arnaldo Bocco, que foi diretor do Banco Central durante o governo de Néstor Kirchner e hoje é integrante da Frente Grande, uma das subdivisões do kirchnerismo.
De linha independente, mas partidário da política de controles cambiais que o governo adotou no ano passado, o economista Ricardo Delgado, da consultoria Analytica, aposta em um ajuste ortodoxo, em que a desvalorização do peso se aceleraria para 20% ao longo deste ano, e as taxas de juros no mercado financeiro subiriam do patamar de 13% para 20%. "As alternativas no mercado financeiro para investimentos em peso precisam suplantar as expectativas de depreciação e o governo tem instrumentos para isso", disse.
Afastada das atividades nesta semana em razão de uma gripe, a presidente Cristina Kirchner preocupou-se na semana passada em desmentir formalmente especulações de que a Argentina poderia adotar o modelo venezuelano de taxas desdobradas de câmbio. Na Venezuela, desde 1983, o governo centraliza o fluxo da moeda e arbitra taxas diferenciadas conforme o uso da moeda estrangeira. Há uma taxa para importações essenciais, outra para supérfluas, outra para turismo e assim por diante.
"Fiquem tranquilos, não vai acontecer nada estranho com o câmbio", disse Cristina na quinta-feira, antes de uma viagem oficial para Angola. Enquanto Cristina se recupera, a ação do governo limita-se ao campo policial. Após a prisão na semana passada de quatro cambistas informais, ou "arbolitos", que faziam troca da moeda em pleno centro da cidade, na segunda foram fechadas duas casas de câmbio informais na região norte de Buenos Aires.
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