segunda-feira, 16 de junho de 2014

Opinião - Os gols contra do Brasil

Valor Econômico - 16/06/2014
Matt Slaughter e Jaana Remes

Preparado ou não, o Rio de Janeiro estende o tapete de boas-vindas para torcedores de futebol por todo o mundo. E assim que o relógio marcar o fim de jogo na final da Copa do Mundo da Fifa em julho, o país vai retomar os preparativos para receber os Jogos Olímpicos de 2016.

No entanto, mesmo com o Brasil no centro dos holofotes internacionais, o país mantém barreiras consideráveis à economia mundial, o que prejudica as perspectivas de crescimento e prosperidade. Em um mundo que cada vez fica mais interconectado, o Brasil corre o risco de ser deixado para trás.

O Brasil avançou até tornar-se a sétima maior economia do mundo, impulsionado pela onda de alta das commodities, por seu dividendo demográfico e pelo aumento no consumo. Ainda assim, seu PIB per capita classifica-se em 95º lugar no mundo. Essa disparidade pode ser explicada, pelo menos em parte, por estar no 43º lugar no ranking1 de "conectividade", em termos de fluxos de bens, serviços, finanças, pessoas, dados e comunicações.


Apesar dos esforços para liberalizar o comércio, as reformas não vêm sendo uniformes. No setor automotivo, altamente protegido, altas tarifas de importação encorajaram estrangeiras a instalarem montadoras no Brasil. Sua produtividade, no entanto, continua baixa

Embora o Brasil tenha reduzido pela metade o índice oficial de pobreza2 desde 2003, os preços dos bens de consumo, muito altos, e as taxas de juros astronômicas dos cartões de crédito (de 145%, em média) vêm impedindo que muitos dos que escaparam da pobreza consigam padrão de vida de classe média.

Para conseguir alçar metade da população ainda vulnerável para a classe média, o Brasil vai precisar de uma expansão anual média do PIB de 4,2% até 2030 - uma meta que pode ser atingida triplicando o crescimento da produtividade. Pode ser uma meta ambiciosa, mas é alcançável, em especial se o Brasil se tornar mais integrado aos mercados internacionais e às redes de produção multinacionais.

Na verdade, um estudo sobre como as conexões mundiais afetam o crescimento da economia3 indica que, ao buscar um maior engajamento com o mundo, o Brasil poderia ampliar seu índice médio anual de crescimento do PIB em até 1,25 ponto percentual.

Com a conectividade mundial passando por uma profunda transformação, agora é a hora de estabelecer alianças fundamentais para reivindicar participação de mercado.

Por décadas, a política econômica do Brasil aproveitou a força de seu imenso mercado doméstico e protegeu as indústrias locais por meio de um complexo sistema de subsídios, impostos e tarifas. Mas as exportações4 equivalem a apenas 13% do PIB, bem abaixo do patamar observado na Índia (24%) ou México (33%). Além disso, a forte valorização do real - puxado pelos altos preços internacionais das commodities - diminuiu a competitividade das exportações. Como resultado, entre 2005 e 2012, o superávit comercial do Brasil em bens industrializados, de US$ 20 bilhões, passou para um déficit de US$ 45 bilhões. Para ampliar as exportações, o Brasil precisa desenvolver recursos e capacidades diferenciados, em particular, nas indústrias adjacentes ao setor de commodities.

Apesar dos esforços para liberalizar o comércio, as reformas não vêm sendo uniformes. No setor automotivo, altamente protegido, altas tarifas de importação encorajaram as fábricas estrangeiras a instalarem montadoras no Brasil. Sua produtividade, no entanto, continua baixa; as montadoras mexicanas, por exemplo, produzem quase o dobro de veículos por trabalhador. O Brasil exporta apenas uma pequena parcela dos veículos que produz.

Isso representa um grande contraste com o sucesso do Brasil em desenvolver um setor agrícola e uma indústria aeroespacial altamente inovadores e competitivos internacionalmente. Uma diferença crucial foi a ênfase das autoridades em incentivar a pesquisa e desenvolvimento nesses setores antes de reduzir o papel direto do governo.

O comércio de bens do Brasil também sofre com redes de comunicações e transportes inadequadas. O sistema ferroviário é limitado e apenas 14% das estradas estão pavimentadas5, o que não é surpresa, tendo em vista que os investimentos médios do Brasil em infraestrutura6 entre 2000 e 2011 foram de apenas 2,2% do PIB - bem abaixo da média mundial. O Brasil pode melhorar esses números com os lucros das plataformas petrolíferas marítimas que desenvolve atualmente.

Quanto ao comércio de serviços -uma área em que o desempenho vem sendo, na melhor hipótese, desbotado - o Brasil se beneficiaria consideravelmente de uma maior proficiência em línguas estrangeiras, possibilitando que mais brasileiros realizassem negócios no exterior. O turismo também oferece um potencial significativo de crescimento, em especial se o Brasil puder aproveitar a rara oportunidade de ser sede da Copa do Mundo e da Olimpíada.

A agenda de conectividade do Brasil deveria incluir esforços para atrair mais talentos estrangeiros. Migrantes de alta capacitação foram essenciais para o crescimento de alguns dos principais centros de tecnologia e inovação do mundo - desde o Vale do Silício até a Irlanda, passando por Índia e Taiwan. Hoje, apenas 0,5% da força de trabalho do Brasil é nascida no exterior, em comparação aos mais de 5% no início dos anos 1900.

O Brasil também é carente em termos de fluxos de dados e comunicações, em parte porque uma grande proporção da população carece de acesso à internet7. Com uma melhora nas conexões digitais, o Brasil ganharia novas oportunidades para melhorar a produtividade e inovação. Que melhor lugar que o Brasil, com um mercado consumidor que é enorme e continua em crescimento, para incubar o próximo Facebook? Se isso soar como exagerado, leve em conta o seguinte: o cofundador do Instagram Mike Krieger é um brasileiro que deixou o país para encontrar a fortuna em San Francisco.

Neste mês, a Copa do Mundo vai trazer o mundo para o Brasil. Cabe ao Brasil convidá-lo para ficar.

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