segunda-feira, 16 de junho de 2014

Entrevista - Antônio Delfim Netto

Revista ISTOÉ Dinheiro - 16/06/2014
"O povo está satisfeito e fala mais alto nas urnas"
Luis Artur Nogueira

Aos 86 anos, o economista Antônio Delfim Netto mantém uma agenda lotada, capaz de deixar muito jovem extenuado ao fim da jornada de trabalho. Palestras, reuniões, telefonemas - a lista de clientes no setor privado é enorme. Todos querem ouvir a opinião de quem já foi ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura, no período dos governos militares. Consultor informal da presidenta Dilma Rousseff, ele aponta diversas falhas do atual governo, sem deixar de pontuar os seus acertos. Na manhã da quarta-feira 11, recebeu a DINHEIRO em seu escritório, localizado ao lado do estádio do Pacaembu, em São Paulo. Na oportunidade, Delfim criticou a política de reajuste do salário mínimo e a falta de ideias novas por parte dos principais candidatos a presidente da República.

DINHEIRO - Qual é a análise que o sr. faz sobre o momento econômico do Brasil?
ANTÔNIO DELFIM NETTO - O desenvolvimento depende de um equilíbrio entre a distribuição de renda e o investimento. Em alguns momentos, você pode acelerar a distribuição, mas, se abandonar o investimento, a economia bate na parede. Então, o que aconteceu no Brasil? Nos últimos anos, tivemos uma enorme vantagem nas relações de troca com o mundo e construímos um imenso déficit em contas-correntes, com valorização do câmbio. Isso dava a impressão de que era permanente, quando, na verdade, era tudo um acidente. A partir de 2011, o mundo começou a mudar e, desde então, não dá mais para crescer apenas com consumo. O Brasil não tem saída que não seja o investimento. Por quê? Porque praticamente se usou toda a mão de obra que existia para ganhar produtividade.

DINHEIRO - O ambiente de negócios está realmente ruim?
DELFIM - Sim, houve um problema entre o governo e o setor privado. O setor privado desconfiou do governo. E o governo desconfiou do setor privado. Criou-se, digamos, um ambiente que não era favorável à produção. Então, as intervenções do governo dão o seguinte recado: "eu sei mais que o mercado, eu sou capaz de fixar os preços melhor que o mercado". O que não é verdade. Por outro lado, na minha opinião, não há nenhuma tragédia fiscal à vista. Na questão da inflação, nós nos recusamos a entender que o problema é muito mais complicado do que parece, e que ele está basicamente ligado a alguns defeitos de orçamento, da indexação da economia e do fato de que a gente empurrou, através da política de salário mínimo, um aumento de salário real muito superior ao aumento da produtividade.

DINHEIRO - Foi um erro a política de reajuste do salário mínimo, que garante a reposição da inflação mais a variação do PIB?
DELFIM - Foi importante para a redistribuição de renda e para criar um mercado consumidor. O erro é o seguinte: essa política de reajuste do salário mínimo não pode continuar porque nós já não temos as condições anteriores para que ela continue.

DINHEIRO - Ela já cumpriu o seu papel?
DELFIM - Exatamente. Não há como o salário crescer mais que a produtividade, sem gerar duas consequências: inflação ou déficit em contas-correntes, ou até mesmo as duas coisas juntas, que é o nosso caso, atualmente. Na questão do câmbio, o mercado ajudou o governo a resolver o seu problema de inflação, mas não há a menor dúvida de que a supervalorização do câmbio foi um dos piores instrumentos para combater os preços. O governo reduziu o ritmo de crescimento e produziu enormes desequilíbrios. Por outro lado, na minha opinião, o mal-estar que a gente está sentindo é muito maior do que seria justificado pela situação do Brasil. É, na verdade, um grande equívoco de comunicação que se auto-alimenta.

DINHEIRO - Esse mal-estar será resolvido após as eleições?
DELFIM - Acho que sim, pois a sociedade terá decidido na urna o que quer. E ponto final. Então, aí não adianta ficar triste.

DINHEIRO - Por que os empresários, quando avaliam o governo Lula e o governo Dilma, sempre mencionam o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci como o símbolo da credibilidade?
DELFIM - O Palocci foi um grande ministro. Não há a menor dúvida de que era um grande quadro, talvez o melhor que o PT já teve. O que me parece é que há uma injustiça com relação ao Guido Mantega. O Guido, na verdade, é um competente economista. O Guido faz o seu papel no governo. A política é do governo.

DINHEIRO - A taxa Selic subiu muito, nos últimos 12 meses, e a TJLP, que baliza os empréstimos do BNDES, ficou congelada. É preciso aumentar a TJLP?
DELFIM - Sim. Na verdade, precisamos criar um mercado de capitais privado. Isso significa reduzir a importância do setor público. O maior equívoco do governo é pensar que dívida pública é recurso. Quando o BNDES empresta com dinheiro do Tesouro, ele simplesmente está deslocando recurso de um setor para o outro. E o faz de forma custosa e, provavelmente, menos eficiente do que a pessoa que emprestou dinheiro ao Tesouro faria por conta própria.

DINHEIRO - O BNDES precisa encolher?
DELFIM - Não é que o BNDES precisa encolher. O BNDES é um banco que pode buscar recursos à vontade no mercado, mas não precisa viver dos recursos do Tesouro. Não vamos demonizar o BNDES. Ele cumpre o seu papel, é um banco importante. No Brasil, o debate virou uma coisa muito "branco ou preto". Ou eu sou um ortodoxo da maior qualidade ou eu sou um heterodoxo da pior qualidade. Não tem esse negócio.

DINHEIRO - De quem é a culpa pela desaceleração do crédito ao consumo? É do consumidor, que não tem mais fôlego, ou dos bancos, que são rigorosos demais?
DELFIM - As duas coisas. Houve benefícios no estímulo ao crédito, na ampliação do salário mínimo e na distribuição do Bolsa Família. É uma maluquice tentar negar esses efeitos benéficos. E mais maluquice, ainda, é tentar negar que isso tem custo. Não foi o Lula que começou o Brasil. O Brasil começou mesmo foi em 1.500. E todos esses programas têm origem em outros governos.

DINHEIRO - O Banco Mundial revisou de 2,4% para 1,5% a expectativa de crescimento do Brasil, neste ano. Na América do Sul, o País só crescerá mais que a Argentina e a Venezuela. É motivo de vergonha?
DELFIM - Que vergonha, que nada. É um fato objetivo de que acabou a possibilidade de crescer simplesmente estimulando o consumo. O problema do Brasil é um problema de oferta. Não é um problema de demanda.

DINHEIRO - No final das contas, a Copa do Mundo é boa ou ruim para a economia?
DELFIM - Não é boa nem ruim. A Copa do Mundo é um fato. Quando rolar a bola, todas essas bobagens que estão sendo ditas aí vão ser esquecidas. O governo faz muito mal de tentar tirar proveito disso e a oposição faz muito mal em dizer que o governo não fez nada. É um equívoco confundir futebol com política, imaginando que se o Brasil perder é muito bom porque a Dilma perde a eleição. A Dilma não é o Neymar e, portanto, não vai ganhar nem perder votos com a Copa. Estou convencido de que o Brasil vai ganhar esse campeonato. Esse tal de Felipão não é brinquedo, ele tem uma liderança sólida.

DINHEIRO - É mais difícil fazer projeção econômica ou projetar o campeão?
DELFIM - A projeção da Copa é só um desejo. Não tem nenhum fundamento.

DINHEIRO - A independência formal do Banco Central é necessária ou tanto faz?
DELFIM - Isso é pura conversa mole. No fundo, a pretensão de que existe uma ciência monetária é uma coisa absurda. É necessário um bom engenheiro para construir uma ponte porque existe uma ciência exata. Na economia, não existe uma ciência monetária. A ideia de que existe um grupo de privilegiados capaz de por ordem na casa, controlando a taxa de juros, é um dos maiores absurdos que existem. O BC pode ser independente do quê? Do Executivo? Se existisse uma ciência de verdade, diriam "eu vou escolher nove cientistas e, portanto, o governo não põe a mão". Ou seja, a urna não vale nada? A sociedade escolhe o presidente da República e ele se submete ao que dizem nove sábios? Seria um absurdo monumental.

DINHEIRO - Mas o Banco Central não ganharia credibilidade?
DELFIM - Claro que o Banco Central precisa de credibilidade para ancorar a taxa de inflação. No Brasil, nós jogamos fora isso. Mas não é por defeito do BC. É que nós passamos a namorar o limite superior da meta de inflação, fingindo que o limite superior era a meta. Isso não é um defeito do Banco Central, certo? Mesmo porque uma política monetária sem a ajuda fiscal e sem a ajuda de uma política salarial não produz o controle da inflação, a não ser com custos gigantescos que não são politicamente factíveis.

DINHEIRO - O novo regime automotivo, assinado na semana passada com a Argentina, é a salvação para a indústria brasileira?
DELFIM - Seguramente, é um alívio, mas estou convencido de que tudo isso precisa de uma revisão. A contrapartida dos incentivos dados para a indústria automobilística era que ela construísse uma base exportadora que vendesse um terço da sua produção para o Exterior. Suspeito que nada disso foi feito. Não é só por culpa do Brasil, mas também das montadoras.

DINHEIRO - Depender demais da Argentina também não é um risco?
DELFIM - Depender demais da Argentina é uma consequência. É a mesma coisa na vida particular. Você não escolhe cunhado...

DINHEIRO - O sr. já viu alguma ideia diferente dos principais candidatos?
DELFIM - Por enquanto, estamos na fase de aquecimento. Não surgiu nenhuma ideia nova. Repetem-se ideias antigas. Eu acho que há, como já disse, um desconforto muito maior do que seria justificável. Há o andar de cima, que é o sistema produtivo, que está descontente. E há o andar de baixo, que é o povo. Não adianta o andar de cima ficar tão triste porque, por enquanto, o povo está satisfeito e fala mais alto nas urnas.

DINHEIRO - Do ponto de vista econômico, o sr. se identifica com algum candidato?
DELFIM - Eu não participo mais de nada. Estou com 86 anos, sou um observador, talvez até com um pouco mais de paciência do que deveria ter.

DINHEIRO - O atual momento econômico, recheado de incertezas, é bom para as consultorias econômicas?
DELFIM - Como o economista chuta permanentemente, isso amplia o leque do chute (risos).

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