Nada menos que três projetos de reforma tributária foram apresentados ao Congresso no governo anterior. Nenhum deles teve andamento, simplesmente porque nada se fez para isso. Não tinha o Executivo qualquer interesse no assunto. Não por acaso, todos foram apresentados no fim de fevereiro ou no começo de março, logo após o Carnaval, assim demonstrando que se tratava apenas de uma fantasia.
Ninguém ignora a necessidade urgente de uma reforma digna desse nome. Há que se reduzir a carga tributária, diminuir a burocracia e garantir uma razoável estabilidade do sistema. Não temos mais como suportar o constante aumento de arrecadação sem que o PIB não cresça acima do mesmo volume.
No quadro atual, em que a carga de tributos supera o aumento do PIB, isso significa apenas que a sociedade está cada vez mais onerada, mais pobre, enquanto o poder público gasta além do que arrecada.
A absurda e insuportável burocracia , que obriga o empresário a dar informações já contidas em dados anteriormente encaminhados — como o caso das declarações que se encontram em notas fiscais eletrônicas — e exige inscrições fiscais já existentes em diversos outros órgãos, o preenchimento de guias desnecessárias que, como as jabuticabas, só existem no Brasil, precisa urgentemente ser reduzida. Tal maluquice apenas onera os custos das empresas e, não raras vezes, estimula a corrupção.
Por outro lado, não é razoável que a legislação tributária mude a todo instante, de tal forma que não se sabe o que vai ser exigido amanhã, pois no dia seguinte algum burocrata maluco vai criar novo formulário inútil que, se não entregue, sujeita o contribuinte a pesadas multas.
Todo esse quadro pode sugerir ao empresário que se dirija ao templo, igreja, tenda, mesquita ou sinagoga, para ali fazer sua prece, oração, reza, despacho ou pajelança.
Parece brincadeira, mas infelizmente não é. Já há quem procure ajuda ao padre, bispo ou monsenhor. Ou peça o mesmo ao rabino, sheik, pai de santo, pajé. Todos enxergam o fisco como diabo, demônio, satanás, capeta, belzebu ou Asmodeu. Afinal, em matéria tributária já vivemos no inferno.
Não importa mais se podemos recorrer ao juízo ou tribunal, seja ele de segundo grau, superior ou Supremo. Este último, aliás, resolve furto de galináceos, briga de vizinhos e importantes casos de corrupção, mas parece não ter tempo para as causas tributárias. Não resolve, por exemplo, as questões da guerra fiscal, das alíquotas e convênios, da substituição tributária. Enfim, não soluciona o que interessa aos contribuintes que, no final das contas, são os que pagam tudo, inclusive os salários, férias e aposentadorias de todas essas excelências,
A justiça que se pretende obter no Judiciário é o único serviço que se paga adiantado sem saber o que, quando e se vai mesmo receber o que se pede. Como Dante já afirmou na Divina Comédia, ao deparar-se ante a porta do inferno: perdei toda esperança vós que entrais.
Claro está que a reforma tributária de que necessitamos passa por amplas mudanças constitucionais. Isso pode ser viabilizado mediante emendas ou em nova constituinte. Neste caso, pode-se cuidar da reforma política, da previdenciária etc., numa ampla revisão das regras impostas em 1988 que, ante o tempo decorrido, já não satisfazem as necessidades de um país democrático e de uma sociedade mais consciente de seus direitos, pelos quais já aprendeu a reclamar.
Há vários impostos que precisam ser eliminados por serem injustos, inflacionários ou inibidores do desenvolvimento nacional. Tal é o caso do IPVA, ITCMD e ITR. Outros precisam ser unificados, como o IPI e o ICMS, ante a repetida incidência de ambos sobre produtos e mercadorias, assim provocando mais inflação.
Pode-se concluir, portanto, que o nosso sistema tributário está falido, superado e inadequado para a sociedade em que vivemos. Resta-nos apenas o caminho democrático, por mais demorado e penoso que possa ser.
Nesse caso, não podemos buscar solução em protestos, marchas ou manifestos. O voto, essa poderosa arma em nossas mãos, não pode servir para brincadeiras e, mais um a vez, entregarmos nosso futuro a celebridades passageiras, ignorantes festeiros ou contumazes meliantes. O legislativo é o retrato da sociedade. Esse retrato pode ser o do progresso, do desenvolvimento e da felicidade. Mas pode ser também o de um faminto monstro a devorar, mais uma vez, as nossas esperanças.
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Ninguém ignora a necessidade urgente de uma reforma digna desse nome. Há que se reduzir a carga tributária, diminuir a burocracia e garantir uma razoável estabilidade do sistema. Não temos mais como suportar o constante aumento de arrecadação sem que o PIB não cresça acima do mesmo volume.
No quadro atual, em que a carga de tributos supera o aumento do PIB, isso significa apenas que a sociedade está cada vez mais onerada, mais pobre, enquanto o poder público gasta além do que arrecada.
A absurda e insuportável burocracia , que obriga o empresário a dar informações já contidas em dados anteriormente encaminhados — como o caso das declarações que se encontram em notas fiscais eletrônicas — e exige inscrições fiscais já existentes em diversos outros órgãos, o preenchimento de guias desnecessárias que, como as jabuticabas, só existem no Brasil, precisa urgentemente ser reduzida. Tal maluquice apenas onera os custos das empresas e, não raras vezes, estimula a corrupção.
Por outro lado, não é razoável que a legislação tributária mude a todo instante, de tal forma que não se sabe o que vai ser exigido amanhã, pois no dia seguinte algum burocrata maluco vai criar novo formulário inútil que, se não entregue, sujeita o contribuinte a pesadas multas.
Todo esse quadro pode sugerir ao empresário que se dirija ao templo, igreja, tenda, mesquita ou sinagoga, para ali fazer sua prece, oração, reza, despacho ou pajelança.
Parece brincadeira, mas infelizmente não é. Já há quem procure ajuda ao padre, bispo ou monsenhor. Ou peça o mesmo ao rabino, sheik, pai de santo, pajé. Todos enxergam o fisco como diabo, demônio, satanás, capeta, belzebu ou Asmodeu. Afinal, em matéria tributária já vivemos no inferno.
Não importa mais se podemos recorrer ao juízo ou tribunal, seja ele de segundo grau, superior ou Supremo. Este último, aliás, resolve furto de galináceos, briga de vizinhos e importantes casos de corrupção, mas parece não ter tempo para as causas tributárias. Não resolve, por exemplo, as questões da guerra fiscal, das alíquotas e convênios, da substituição tributária. Enfim, não soluciona o que interessa aos contribuintes que, no final das contas, são os que pagam tudo, inclusive os salários, férias e aposentadorias de todas essas excelências,
A justiça que se pretende obter no Judiciário é o único serviço que se paga adiantado sem saber o que, quando e se vai mesmo receber o que se pede. Como Dante já afirmou na Divina Comédia, ao deparar-se ante a porta do inferno: perdei toda esperança vós que entrais.
Claro está que a reforma tributária de que necessitamos passa por amplas mudanças constitucionais. Isso pode ser viabilizado mediante emendas ou em nova constituinte. Neste caso, pode-se cuidar da reforma política, da previdenciária etc., numa ampla revisão das regras impostas em 1988 que, ante o tempo decorrido, já não satisfazem as necessidades de um país democrático e de uma sociedade mais consciente de seus direitos, pelos quais já aprendeu a reclamar.
Há vários impostos que precisam ser eliminados por serem injustos, inflacionários ou inibidores do desenvolvimento nacional. Tal é o caso do IPVA, ITCMD e ITR. Outros precisam ser unificados, como o IPI e o ICMS, ante a repetida incidência de ambos sobre produtos e mercadorias, assim provocando mais inflação.
Pode-se concluir, portanto, que o nosso sistema tributário está falido, superado e inadequado para a sociedade em que vivemos. Resta-nos apenas o caminho democrático, por mais demorado e penoso que possa ser.
Nesse caso, não podemos buscar solução em protestos, marchas ou manifestos. O voto, essa poderosa arma em nossas mãos, não pode servir para brincadeiras e, mais um a vez, entregarmos nosso futuro a celebridades passageiras, ignorantes festeiros ou contumazes meliantes. O legislativo é o retrato da sociedade. Esse retrato pode ser o do progresso, do desenvolvimento e da felicidade. Mas pode ser também o de um faminto monstro a devorar, mais uma vez, as nossas esperanças.
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
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