David Kupfer
Encerrado o ano de 2014, a balança comercial brasileira apresentou resultado negativo pela primeira vez após treze anos consecutivos de superávit. Em si, esse resultado nem foi tão surpreendente pois vinha sendo antecipado por muitos analistas. Mas o montante do déficit, de US$ 3,93 bilhões, veio pior do que o prenunciado pelas projeções mais pessimistas e quase repetiu o tombo de 1998, exatamente o último ano da experiência de câmbio fixo e valorizado que caracterizou a primeira fase da estabilização monetária promovida pelo Plano Real. Menos noticiada, porém igualmente digna de registro, foi a redução ocorrida na corrente de comércio (a soma das exportações e das importações). Em 2014, esse valor foi de US$ 454 bilhões, uma expressiva queda de US$ 27,6 bilhões ante 2013.
A observação dos fluxos de exportação e importação desagregados pelas diferentes famílias de mercadorias sugere que o quadro da perda de competitividade apontado pelos números agregados pode ser pintado com tintas ainda mais fortes. Os principais vilões da balança comercial em 2014 foram "Combustíveis minerais", com déficit de cerca de US$ 24 bilhões; "Máquinas e aparelhos elétricos e eletrônicos", com quase US$ 23 bilhões e "Máquinas e equipamentos mecânicos", com cerca de US$ 19 bilhões. Seguiram-se "Veículos automotores", com cerca de 9,5 bilhões, "Fertilizantes", com US$ 8 bilhões e "Químicos orgânicos", com US$ 7,5 bilhões. Os principais mocinhos no mesmo período foram "Minérios", com superávit aproximando de US$ 27 bilhões, "Oleaginosas", com US$ 23 bilhões; "Carnes", com quase US$ 15 bilhões; "Açúcar", com US$ 9,5 bilhões; "Algodão", com US$ 7 bilhões; "Café", com US$ 6,5 bilhões e "Ferro e aço", com US$ 6,2 bilhôes.
Esse desempenho, no qual sobressaem commodities superavitárias e bens de maior conteúdo tecnológico deficitários, não constitui novidade, expressando um padrão histórico de especialização da economia brasileira e que vem se aprofundando nos anos recentes. A novidade está em um plano distinto, que aparece quando se analisa não a ocorrência de saldo ou déficit, mas a contribuição positiva ou negativa dos diversos setores para a variação do saldo.
Quadro da perda de competitividade apontado pelos números agregados pode ter cores ainda mais fortes
Entre 2013 e 2014 a variação ocorrida no saldo comercial foi de US$ 6,24 bilhões negativos. Dentre as famílias de produtos que tiveram as maiores contribuições negativas estão vários dos mocinhos acima mencionados como minérios, açúcar e álcool ou fumo. Já dentre os produtos com a maior contribuição positiva para o saldo constata-se a presença exatamente de alguns dos principais vilões. A título de exemplo: a maior contribuição positiva veio de "Máquinas e equipamentos mecânicos" (US$ 3,7 bilhões). Igualmente significativa foi a contribuição de "Máquinas e aparelhos elétricos e eletrônicos" (US$ 870 milhões).
A explicação para esse desempenho aparentemente contraditório é muito simples. Os mocinhos (commodities) enfrentam um cenário internacional adverso e exibem exportações decrescentes. Por sua vez, os vilões contribuíram para o saldo não porque as exportações aumentaram mas porque as importações despencaram (quase US$ 4 bilhões no caso dos equipamentos mecânicos), motivando parcela relevante da contração ocorrida na corrente de comércio.
Tantos números certamente oneraram o texto mas são importantes para mostrar que há mais sinais de alerta no desempenho do comércio exterior brasileiro do que sugere uma simples observação de saldos e déficits. Fundamentalmente, se a economia brasileira não tivesse atravessado 2014 em hibernação, as importações poderiam ter sido significativamente maiores. Com isso, mantidas as condições pouco favoráveis para as exportações, o déficit comercial poderia ter sido não um pouco, mas muitíssimo maior, abrindo mais um flanco na situação já não tão alvissareira da conta de transações correntes no balanço de pagamentos.
Embora tenha alcançado alguns avanços, o Brasil não conseguiu aproveitar a oportunidade histórica que se abriu na década passada de dar um salto na competitividade microeconômica, quer dizer, no desenvolvimento industrial baseado em inovação e produtividade. Por isso, no novo quadro da economia internacional que lentamente vai ganhando forma, não há como escapar da busca de ampliação da competitividade pela via macroeconômica. Nessa direção, um mix de política macro com juros mais baixos e câmbio mais desvalorizado, cuja tentativa de implantação sem a devida arrumação prévia da casa mostrou-se pouco sustentável, vai ter que ser testado no devido tempo.
O ajuste fiscal sinalizado pelo novo governo poderá ser bem sucedido se estiver articulado com uma estratégia visando preparar a economia para um ciclo longo de dólar valorizado, especialmente quando a guinada na política monetária dos EUA, já sobejamente anunciada, vier a ser efetivada. A indicação claramente revelada pelo Fed de que o ajuste monetário será gradual lá é consistente com igual gradualismo na condução do ajuste fiscal aqui. Há tempo, portanto, para se buscar construir o necessário espaço para que a taxa de câmbio possa se desvalorizar de modo sustentável e propicie a recuperação ao menos da parte macroeconômica da competitividade perdida pela indústria brasileira.
A observação dos fluxos de exportação e importação desagregados pelas diferentes famílias de mercadorias sugere que o quadro da perda de competitividade apontado pelos números agregados pode ser pintado com tintas ainda mais fortes. Os principais vilões da balança comercial em 2014 foram "Combustíveis minerais", com déficit de cerca de US$ 24 bilhões; "Máquinas e aparelhos elétricos e eletrônicos", com quase US$ 23 bilhões e "Máquinas e equipamentos mecânicos", com cerca de US$ 19 bilhões. Seguiram-se "Veículos automotores", com cerca de 9,5 bilhões, "Fertilizantes", com US$ 8 bilhões e "Químicos orgânicos", com US$ 7,5 bilhões. Os principais mocinhos no mesmo período foram "Minérios", com superávit aproximando de US$ 27 bilhões, "Oleaginosas", com US$ 23 bilhões; "Carnes", com quase US$ 15 bilhões; "Açúcar", com US$ 9,5 bilhões; "Algodão", com US$ 7 bilhões; "Café", com US$ 6,5 bilhões e "Ferro e aço", com US$ 6,2 bilhôes.
Esse desempenho, no qual sobressaem commodities superavitárias e bens de maior conteúdo tecnológico deficitários, não constitui novidade, expressando um padrão histórico de especialização da economia brasileira e que vem se aprofundando nos anos recentes. A novidade está em um plano distinto, que aparece quando se analisa não a ocorrência de saldo ou déficit, mas a contribuição positiva ou negativa dos diversos setores para a variação do saldo.
Quadro da perda de competitividade apontado pelos números agregados pode ter cores ainda mais fortes
Entre 2013 e 2014 a variação ocorrida no saldo comercial foi de US$ 6,24 bilhões negativos. Dentre as famílias de produtos que tiveram as maiores contribuições negativas estão vários dos mocinhos acima mencionados como minérios, açúcar e álcool ou fumo. Já dentre os produtos com a maior contribuição positiva para o saldo constata-se a presença exatamente de alguns dos principais vilões. A título de exemplo: a maior contribuição positiva veio de "Máquinas e equipamentos mecânicos" (US$ 3,7 bilhões). Igualmente significativa foi a contribuição de "Máquinas e aparelhos elétricos e eletrônicos" (US$ 870 milhões).
A explicação para esse desempenho aparentemente contraditório é muito simples. Os mocinhos (commodities) enfrentam um cenário internacional adverso e exibem exportações decrescentes. Por sua vez, os vilões contribuíram para o saldo não porque as exportações aumentaram mas porque as importações despencaram (quase US$ 4 bilhões no caso dos equipamentos mecânicos), motivando parcela relevante da contração ocorrida na corrente de comércio.
Tantos números certamente oneraram o texto mas são importantes para mostrar que há mais sinais de alerta no desempenho do comércio exterior brasileiro do que sugere uma simples observação de saldos e déficits. Fundamentalmente, se a economia brasileira não tivesse atravessado 2014 em hibernação, as importações poderiam ter sido significativamente maiores. Com isso, mantidas as condições pouco favoráveis para as exportações, o déficit comercial poderia ter sido não um pouco, mas muitíssimo maior, abrindo mais um flanco na situação já não tão alvissareira da conta de transações correntes no balanço de pagamentos.
Embora tenha alcançado alguns avanços, o Brasil não conseguiu aproveitar a oportunidade histórica que se abriu na década passada de dar um salto na competitividade microeconômica, quer dizer, no desenvolvimento industrial baseado em inovação e produtividade. Por isso, no novo quadro da economia internacional que lentamente vai ganhando forma, não há como escapar da busca de ampliação da competitividade pela via macroeconômica. Nessa direção, um mix de política macro com juros mais baixos e câmbio mais desvalorizado, cuja tentativa de implantação sem a devida arrumação prévia da casa mostrou-se pouco sustentável, vai ter que ser testado no devido tempo.
O ajuste fiscal sinalizado pelo novo governo poderá ser bem sucedido se estiver articulado com uma estratégia visando preparar a economia para um ciclo longo de dólar valorizado, especialmente quando a guinada na política monetária dos EUA, já sobejamente anunciada, vier a ser efetivada. A indicação claramente revelada pelo Fed de que o ajuste monetário será gradual lá é consistente com igual gradualismo na condução do ajuste fiscal aqui. Há tempo, portanto, para se buscar construir o necessário espaço para que a taxa de câmbio possa se desvalorizar de modo sustentável e propicie a recuperação ao menos da parte macroeconômica da competitividade perdida pela indústria brasileira.
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