O Estado de S.Paulo - 08/01/2013
Os resultados da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) realizada em Bali, no começo do mês passado, foram encorajadores. Dadas as expectativas extremamente pessimistas quanto à possibilidade de a Rodada Doha ser salva do naufrágio, foi um feito memorável do diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, evitar o desastre.
A OMC estava necessitada de resultados significativos depois de revezes notáveis pelo menos desde Seattle, em 1999. A reunião de Bali manteve a OMC viva, mas foi marcada por clara inapetência dos países desenvolvidos, voltados para negociações de mega-acordos preferenciais. É preocupante que a organização se mantenha viva com base numa sequência de "fugas para a frente", para evitar o desastre. Um caminho que tende inexoravelmente ao esgotamento.
Os resultados concretos da reunião foram modestos. O principal foi um acordo sobre facilitação de comércio que simplificará e aumentará a transparência de procedimentos alfandegários. As estimativas correntes sobre o seu impacto parecem exageradas, talvez na tentativa de mostrar que os resultados de Bali foram melhores do que pareceriam à primeira vista. Foi também negociado limitado acordo sobre desenvolvimento que beneficia os países menos avançados. Mais uma vez, o impasse principal teve como foco a agricultura. As juras do passado, quanto à eliminação total dos subsídios às exportações em 2013, foram arquivadas. A Índia bateu o pé e, em nome da segurança alimentar, manteve os seus subsídios agrícolas ao abrigo de uma "cláusula da paz", até que se encontre solução permanente para a questão global dos subsídios agrícolas.
Bali sublinhou as dificuldades que enfrenta a OMC para viabilizar um processo decisório baseado em consenso, no qual cada país tem um voto. No passado, quando o Gatt era chamado de "clube de ricos", o processo decisório era muito mais concentrado, com frequente recurso a reuniões restritas a um número reduzido de partes contratantes, o mítico green room. É grande o contraste, do ponto de vista de governança, entre a OMC, com seus anseios consensuais, e o Fundo Monetário Internacional (FMI), onde as pequenas economias europeias se agarram ao seu poder de voto superdimensionado. Tais dificuldades de governança contribuem para desviar o interesse dos grandes protagonistas para negociações de âmbito mais restrito.
Do ponto de vista brasileiro, Bali não foi um sucesso, embora a diplomacia brasileira tenha sido protagonista na remoção de resistências de Nova Délhi e Havana que poderiam ter resultado no fracasso da reunião. Bali com resultados tépidos torna ainda menos críveis os argumentos do governo brasileiro de que a inexistência de acordos preferenciais relevantes poderia ser justificada pela obtenção de resultados significativos na esfera multilateral. As dificuldades com a Índia em Bali reiteraram a fragilidade do G-20 agrícola, formado, após Cancún, em 2003, em oposição aos EUA e à União Europeia. Sua heterogeneidade foi explicitada no fracasso da reunião de Genebra, em 2008, com Índia e China divergindo do Brasil.
Resta o caminho das negociações de acordos preferenciais. Está muito próxima a hora da verdade, quando o governo brasileiro, se de fato estiver disposto a negociar seriamente acordos preferenciais relevantes, terá de conceder prioridade ao objetivo de convencer a Argentina a moderar suas propensões protecionistas. Há quem pense que a oferta de bons negócios à Argentina poderia cumprir um papel na remoção de tais dificuldades. Mas a insegurança jurídica explicitada em diversos episódios recentes envolvendo interesses brasileiros na Argentina sugere que tal caminho está repleto de obstáculos.
E há uma dificuldade adicional: será que o governo brasileiro, cuja atuação recente tem sido marcada por diversos episódios protecionistas, será convincente em convencer Buenos Aires?
Os resultados da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) realizada em Bali, no começo do mês passado, foram encorajadores. Dadas as expectativas extremamente pessimistas quanto à possibilidade de a Rodada Doha ser salva do naufrágio, foi um feito memorável do diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, evitar o desastre.
A OMC estava necessitada de resultados significativos depois de revezes notáveis pelo menos desde Seattle, em 1999. A reunião de Bali manteve a OMC viva, mas foi marcada por clara inapetência dos países desenvolvidos, voltados para negociações de mega-acordos preferenciais. É preocupante que a organização se mantenha viva com base numa sequência de "fugas para a frente", para evitar o desastre. Um caminho que tende inexoravelmente ao esgotamento.
Os resultados concretos da reunião foram modestos. O principal foi um acordo sobre facilitação de comércio que simplificará e aumentará a transparência de procedimentos alfandegários. As estimativas correntes sobre o seu impacto parecem exageradas, talvez na tentativa de mostrar que os resultados de Bali foram melhores do que pareceriam à primeira vista. Foi também negociado limitado acordo sobre desenvolvimento que beneficia os países menos avançados. Mais uma vez, o impasse principal teve como foco a agricultura. As juras do passado, quanto à eliminação total dos subsídios às exportações em 2013, foram arquivadas. A Índia bateu o pé e, em nome da segurança alimentar, manteve os seus subsídios agrícolas ao abrigo de uma "cláusula da paz", até que se encontre solução permanente para a questão global dos subsídios agrícolas.
Bali sublinhou as dificuldades que enfrenta a OMC para viabilizar um processo decisório baseado em consenso, no qual cada país tem um voto. No passado, quando o Gatt era chamado de "clube de ricos", o processo decisório era muito mais concentrado, com frequente recurso a reuniões restritas a um número reduzido de partes contratantes, o mítico green room. É grande o contraste, do ponto de vista de governança, entre a OMC, com seus anseios consensuais, e o Fundo Monetário Internacional (FMI), onde as pequenas economias europeias se agarram ao seu poder de voto superdimensionado. Tais dificuldades de governança contribuem para desviar o interesse dos grandes protagonistas para negociações de âmbito mais restrito.
Do ponto de vista brasileiro, Bali não foi um sucesso, embora a diplomacia brasileira tenha sido protagonista na remoção de resistências de Nova Délhi e Havana que poderiam ter resultado no fracasso da reunião. Bali com resultados tépidos torna ainda menos críveis os argumentos do governo brasileiro de que a inexistência de acordos preferenciais relevantes poderia ser justificada pela obtenção de resultados significativos na esfera multilateral. As dificuldades com a Índia em Bali reiteraram a fragilidade do G-20 agrícola, formado, após Cancún, em 2003, em oposição aos EUA e à União Europeia. Sua heterogeneidade foi explicitada no fracasso da reunião de Genebra, em 2008, com Índia e China divergindo do Brasil.
Resta o caminho das negociações de acordos preferenciais. Está muito próxima a hora da verdade, quando o governo brasileiro, se de fato estiver disposto a negociar seriamente acordos preferenciais relevantes, terá de conceder prioridade ao objetivo de convencer a Argentina a moderar suas propensões protecionistas. Há quem pense que a oferta de bons negócios à Argentina poderia cumprir um papel na remoção de tais dificuldades. Mas a insegurança jurídica explicitada em diversos episódios recentes envolvendo interesses brasileiros na Argentina sugere que tal caminho está repleto de obstáculos.
E há uma dificuldade adicional: será que o governo brasileiro, cuja atuação recente tem sido marcada por diversos episódios protecionistas, será convincente em convencer Buenos Aires?