quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Sobrevida para a OMC

Autor(es): Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S.Paulo - 08/01/2013

Os resultados da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) realizada em Bali, no começo do mês passado, foram encorajadores. Dadas as expectativas extremamente pessimistas quanto à possibilidade de a Rodada Doha ser salva do naufrágio, foi um feito memorável do diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, evitar o desastre.

A OMC estava necessitada de resultados significativos depois de revezes notáveis pelo menos desde Seattle, em 1999. A reunião de Bali manteve a OMC viva, mas foi marcada por clara inapetência dos países desenvolvidos, voltados para negociações de mega-acordos preferenciais. É preocupante que a organização se mantenha viva com base numa sequência de "fugas para a frente", para evitar o desastre. Um caminho que tende inexoravelmente ao esgotamento.

Os resultados concretos da reunião foram modestos. O principal foi um acordo sobre facilitação de comércio que simplificará e aumentará a transparência de procedimentos alfandegários. As estimativas correntes sobre o seu impacto parecem exageradas, talvez na tentativa de mostrar que os resultados de Bali foram melhores do que pareceriam à primeira vista. Foi também negociado limitado acordo sobre desenvolvimento que beneficia os países menos avançados. Mais uma vez, o impasse principal teve como foco a agricultura. As juras do passado, quanto à eliminação total dos subsídios às exportações em 2013, foram arquivadas. A Índia bateu o pé e, em nome da segurança alimentar, manteve os seus subsídios agrícolas ao abrigo de uma "cláusula da paz", até que se encontre solução permanente para a questão global dos subsídios agrícolas.

Bali sublinhou as dificuldades que enfrenta a OMC para viabilizar um processo decisório baseado em consenso, no qual cada país tem um voto. No passado, quando o Gatt era chamado de "clube de ricos", o processo decisório era muito mais concentrado, com frequente recurso a reuniões restritas a um número reduzido de partes contratantes, o mítico green room. É grande o contraste, do ponto de vista de governança, entre a OMC, com seus anseios consensuais, e o Fundo Monetário Internacional (FMI), onde as pequenas economias europeias se agarram ao seu poder de voto superdimensionado. Tais dificuldades de governança contribuem para desviar o interesse dos grandes protagonistas para negociações de âmbito mais restrito.

Do ponto de vista brasileiro, Bali não foi um sucesso, embora a diplomacia brasileira tenha sido protagonista na remoção de resistências de Nova Délhi e Havana que poderiam ter resultado no fracasso da reunião. Bali com resultados tépidos torna ainda menos críveis os argumentos do governo brasileiro de que a inexistência de acordos preferenciais relevantes poderia ser justificada pela obtenção de resultados significativos na esfera multilateral. As dificuldades com a Índia em Bali reiteraram a fragilidade do G-20 agrícola, formado, após Cancún, em 2003, em oposição aos EUA e à União Europeia. Sua heterogeneidade foi explicitada no fracasso da reunião de Genebra, em 2008, com Índia e China divergindo do Brasil.

Resta o caminho das negociações de acordos preferenciais. Está muito próxima a hora da verdade, quando o governo brasileiro, se de fato estiver disposto a negociar seriamente acordos preferenciais relevantes, terá de conceder prioridade ao objetivo de convencer a Argentina a moderar suas propensões protecionistas. Há quem pense que a oferta de bons negócios à Argentina poderia cumprir um papel na remoção de tais dificuldades. Mas a insegurança jurídica explicitada em diversos episódios recentes envolvendo interesses brasileiros na Argentina sugere que tal caminho está repleto de obstáculos.

E há uma dificuldade adicional: será que o governo brasileiro, cuja atuação recente tem sido marcada por diversos episódios protecionistas, será convincente em convencer Buenos Aires?