O economista austríaco Joseph Schumpeter considerou o século XX como a era da tributação. Nesse século diversas jurisdições estruturam seus sistemas tributários de modo a captar a riqueza necessária para custear o Estado. O século XXI começou com um novo desafio, a desestruturação dos sistemas tributários motivada pelo movimento globalizante de flexibilização da soberania. O Estado que tributa hoje, segue regras fiscais determinadas alhures sem qualquer participação do cidadão na formação da vontade geral. Em função do avanço tecnológico, ademais, os sistemas tributários obedecem a lógica da informática, ferramenta que se tornou princípio de simplicidade totalitária.
É preciso compreender o regime tributário de um país no qual se pretende aplicar política fiscal. Ainda que se note relativo empirismo nos sistemas tributários como um todo, no conjunto das receitas tributárias se observa um sentido lógico sistêmico. Hoje, mais do que nunca, os formuladores de política fiscal se inspiram em exemplos jurisdicionais comparados no exercício de seu poder de tributar. Os sistemas tributários dos países têm relativa identidade entre si.
Caminha-se para a adoção de conceitos comuns em matéria tributária. Convenciona-se a uniformização de linguagem, com vistas a implantar políticas fiscais comuns entre países relacionados comercialmente. O sistema tributário não pode mais ser tratado apenas sob a perspectiva jurisdicional, mas segundo a ótica global. O sistema tributário não está mais contido nos limites jurisdicionais do Estado soberano. Estados e contribuintes sofrem reflexos do fenômeno da globalização.
A globalização solapou a previsibilidade. O sistema jurídico pode ser causa do futuro quando cria vínculos construtivos para as relações jurídicas que se farão no amanhã. A direção do futuro baseada em experiências pretéritas confere segurança jurídica ao contribuinte. Falhando o predicado da segurança, o Sistema Tributário passa a sofrer efetiva erosão.
A soberania dava o chão para o contribuinte, que escolhe onde morar e pagar impostos em função de sua segurança desde os tempos imemoriais. O empirismo na política fiscal globalizante tem efeito nocivo para as jurisdições, que perdem sua principal condição de Estado: a soberania. A formulação de política fiscal se tornou, afinal, uma grande repetição de modelos comparados. Organismos supranacionais propagam paradigmas sistêmicos, copiados, sem emendas, por diversas jurisdições.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com efeito, recomenda medidas de política fiscal que levam em consideração o posicionamento da instituição em relação a temas de interesse dos países membros, especialmente, daqueles comercialmente hegemônicos. O assim denominado relatório BEPS – Base Erosion and Profit Shifting – pode ser considerado uma ação da OCDE para combater a erosão de bases tributáveis e a translação do lucro das empresas transnacionais. Com efeito, nesse relatório, a OCDE atribui às empresas transnacionais a responsabilidade pela erosão da base tributável e a translação do lucro.
Não é possível concordar com esse posicionamento da OCDE. As ações da OCDE, como essa iniciativa do BEPS são justamente as responsáveis pela erosão das bases fiscais. Em que pese as empresas transnacionais tirarem proveito da erosão, não lhes cabe a autoria do fenômeno. O BEPS é um resultado de uma política fiscal globalizante, idealizada para criar sistemas tributários por meio da relativização da soberania dos Estados. Perde-se com tal medida a segurança jurídica do jurisdicionado.
O plano de ação da OCDE elenca quinze itens bastante complexos que, isoladamente, demandam ações de política fiscal de vulto. Isso revela uma OCDE atônita com os efeitos múltiplos da erosão da base tributária ocasionadas pela globalização. Muitas das propostas, por outro lado, sendo vez levadas a cabo, podem gerar efeito sobre as demais propostas do plano de ação globalizante. Isso pode resultar, afinal, num efeito cíclico de graves proporções para as bases tributárias das jurisdições que seguirem a orientação da OCDE.
O relatório BEPS trata programaticamente de temas que mereceriam ação imediata, dado o caráter volátil da riqueza gerada, como na questão específica da economia digital. As jurisdições têm se demonstrado incapazes de lidar com o fenômeno de modo eficiente, sem recorrer a generalizações globalizantes, ficções jurídicas ou julgamentos casuísticos que, individual ou coletivamente, provocam insegurança jurídica aos contribuintes. Um plano que cuida do tema do comércio eletrônico programaticamente nada inova, apenas reconhece a ineficácia de legislação globalizante. O argumento que o negócio eletrônico provoca a translação do lucro, por meio do uso de estruturas jurídicas capazes de gerar o que se denomina loophole, por si só, não parece suficiente para combater casos como Vodafone, Google, Amazon ou Starbucks. Perseguir empresas multinacionais com medidas globalizantes não parece ser a solução para a questão da erosão da base tributária, e tampouco a translação do lucro das empresas.
Ainda sobre o plano de ação, este se dedica longamente ao tema dos preços de transferência. Alterar os guidelines da OCDE sobre preço de transferência já é demanda antiga. O plano pretende combater com pragmatismo arranjos jurídicos que possam contribuir para a translação do lucro. A simplicidade nesse aspecto afasta, porém, a tributação do princípio da capacidade contributiva.
Afinal, o plano pretende, em seus propósitos, estimular a transparência nas empresas, coletar dados sobre a erosão de base tributária e translação do lucro das empresas, e induzir as empresas a comunicar as autoridades fiscais sobre seus planejamentos agressivos. Em que pese se tratar de meras proposições, essa parte do plano da ação parece divorciada da realidade. O Plano de Ação para combater a erosão fiscal e a translação do lucro é mais um instrumento globalizante a gerar insegurança jurídica. Seu texto, generalista e programático, produz incertezas sobre os rumos da tributação internacional.
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