No início deste ano, a imprensa noticiou que a balança comercial fechou 2013 com superávit de US$ 2,561 bilhões e que esse saldo teria sido o pior desde 2000, com queda de 86,8% em relação a 2012. Registrou, também, que as exportações teriam somado US$ 242,178 bilhões, com redução de 1%, e que as importações teriam batido recorde, com alta de 6,5% em relação ao ano anterior.
Apesar desse preocupante cenário, foram apresentados dois Projetos de Emenda Constitucional à Câmara dos Deputados (PECs 92 e 122), que excluem da regra de não-incidência do ICMS as exportações de “bens minerais primários ou semi-elaborados” (PEC 92) e de “produtos primários não renováveis” (PEC 122), sob a alegação, obviamente ultrapassada, de que a desoneração tributária das exportações teria sido “incialmente feita em um período de sucessivos resultados adversos na balança comercial, o que não seria mais o caso”.
Além dessa alegação, procura-se justificar o proposto nessas PECs com argumentos como: “as empresas exportadoras do setor mineral demonstram desempenho comercial e financeiro capaz de arcar com o ônus tributário sem resultados adversos”; “a tributação das exportações só implicará em uma transferência dos lucros do setor privado para os estados e municípios”; “como os produtos industrializados continuarão imunes, a medida servirá como incentivo à agregação de valor”.
Vê-se, portanto, que, por meio dessas novas regras, pretende-se limitar a norma constitucional de não-incidência do ICMS nas exportações, dando-se ênfase à capacidade contributiva das empresas do setor de mineração, em absoluto detrimento dos reais valores que se buscam preservar quando se trata da tributação do comércio exterior: reduzir o custo Brasil e tornar os produtos brasileiros competitivos no mercado externo.
Essas propostas, contidas nas citadas PECs, representam enorme retrocesso, facilmente constatado no exame da evolução histórica das regras de desoneração das exportações, no plano do Direito Constitucional Tributário.
A Constituição Federal de 1946 só tratava do imposto de exportação, que, à época, era da competência estadual e estava sujeito a estritos limites no que concerne à sua aplicação:
“Art. 19 - Compete aos Estados decretar impostos sobre:
(...)
V - exportação de mercadorias de sua produção para o estrangeiro, até o máximo de cinco por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais;
(...)
Parágrafo 6º - Em casos excepcionais, o Senado Federal poderá autorizar o aumento, por determinado tempo, do imposto de exportação até o máximo de dez por cento ad valorem.”
Com o advento da Emenda Constitucional 18/65, foi criado o antigo ICM, sem que se fizesse qualquer menção à exclusão da sua incidência nas operações de exportação.
Essa exclusão só veio a ser prevista na Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967 (CF/67), e de forma restrita, porque se referia exclusivamente a produtos industrializados e a outros que a lei viesse a determinar e, ainda, limitava-se à parcela do ICMS devida pelo exportador, às vezes insignificante se comparada ao total do imposto pago nas operações anteriores (que, apesar de internas, eram destinadas exclusivamente à exportação).
Quanto a essa limitação (relativa ao ICM incidente nas operações internas), para que se promovesse a desoneração de toda a cadeia de circulação do produto exportado, era mister que se assegurasse ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos ao imposto pago nas operações anteriores.
Por isso, ao estabelecer as normas gerais relativas ao então ICM, o Decreto-lei 406, de 13 de dezembro de 1968, determinou que não se exigiria o estorno do crédito do imposto relativo às mercadorias utilizadas como matéria-prima ou material secundário na fabricação dos produtos destinados ao exterior.
Sob a vigência da EC 1, de 17 de outubro de1969, a regência constitucional e legal da matéria permaneceu inalterada: (i) a EC 1/69 manteve a previsão da não-incidência do ICM sobre operações que destinassem ao exterior produtos industrializados e outros que a lei indicasse; e (ii) o DL 834, de 8 de setembro de 1969, não introduziu qualquer alteração material, ou mesmo redacional, nos dispositivos do DL 406/68 que tratavam da não necessidade de estorno acima referida.
A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, foi mais restritiva do que as anteriores quanto ao alcance da desoneração das exportações do ICMS: manteve a previsão de não-incidência do imposto sobre operações que destinassem ao exterior produtos industrializados, mas excluiu dessa previsão os produtos semi-elaborados definidos em lei complementar.
Ela ainda determinou que caberia à lei complementar: (i) excluir da incidência do ICMS as operações de exportações de outros produtos e serviços (o que, pelo ordenamento anterior, poderia ser feito pela legislação estadual); (ii) prever os casos de manutenção dos créditos nas operações de exportação.
O Convênio ICM 66/88 (com fundamento no art. 34, parágrafo 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Tributárias da CF/88) foi o primeiro a definir semi-elaborado. Posteriormente, e de forma definitiva, a Lei Complementar (LC) 65, de 15 de abril de 1991, exerceu essa função.
Houve controvérsias decorrentes da forma pouco clara como essa definição foi estabelecida, e também da possibilidade da participação do Confaz na regulamentação da matéria. A jurisprudência dos dois Tribunais superiores (STF e STJ) encerrou essas controvérsias, pondo fim às discussões[1].
Com fundamento na possibilidade prevista na Constituição de que lei complementar excluísse da incidência do ICMS as operações de exportações de outros produtos e serviços, foi editada a LC 87/96, que ampliou o escopo da regra de não-incidência para abranger todo e qualquer tipo de exportação:
“Art. 3º O imposto não incide sobre:
II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;”
Além disso, a LC 87/96 garantiu a manutenção dos créditos e previu a sua transferência da seguinte forma: (i) possibilidade de sua imputação pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado ou, (ii) havendo saldo remanescente, transferência pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado.
Assim, com a LC 87/96, pelo menos em tese, foi efetivamente assegurada a desoneração das exportações do ICMS, que sempre pressuporá a manutenção e aproveitamento dos créditos relativos às operações anteriores.
A EC 42, de 19 de dezembro de 2003, constitucionalizou essa evolução, quando (i) ampliou a não-incidência para alcançar operações que destinassem ao exterior todo e qualquer produto (e não apenas os industrializados), bem como os serviços prestados a destinatários no exterior; e (ii) assegurou expressamente a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos ao imposto pago nas operações anteriores.
Vê-se, portanto, que, no decorrer da história, a não-incidência do ICMS nas exportações sofreu altos e baixos. Ela foi, em um primeiro momento, restrita a produtos industrializados; em seguida, sofreu restrição ainda maior para excluir do conceito de produtos industrializados aqueles que fossem semi-elaborados (cuja definição, pela dificuldade que lhe é inerente, foi objeto de diversas demandas judiciais); e, finalmente, evoluiu legal e constitucionalmente para o cenário que mais se coaduna com os anseios de promoção do desenvolvimento nacional (elevado a objetivo fundamental do País pela da Constituição Federal — art. 3º, II), que é o da absoluta desoneração das exportações, tenham elas por objeto produtos primários, industrializados, ou semi-elaborados.
Essas conquistas são irretocáveis.
Se o objetivo do legislador constitucional derivado é o de cuidar de questões relativas à incidência do ICMS nas exportações, que enfrente, pois, as relativas ao grave acúmulo de créditos que se dá nas mãos dos exportadores em decorrência das limitações que, inconstitucionalmente, os Estados impõem à sua transferência para outros contribuintes. E um dos setores que mais sofrem com esse problema é justamente o de mineração.
Essas, sim, são questões que devem merecer a atenção dos nossos congressistas. Buscar, novamente, tributar as exportações de “bens minerais primários ou semi-elaborados” (PEC 92) e de “produtos primários não renováveis” (PEC 122) é absoluto retrocesso.
Apesar desse preocupante cenário, foram apresentados dois Projetos de Emenda Constitucional à Câmara dos Deputados (PECs 92 e 122), que excluem da regra de não-incidência do ICMS as exportações de “bens minerais primários ou semi-elaborados” (PEC 92) e de “produtos primários não renováveis” (PEC 122), sob a alegação, obviamente ultrapassada, de que a desoneração tributária das exportações teria sido “incialmente feita em um período de sucessivos resultados adversos na balança comercial, o que não seria mais o caso”.
Além dessa alegação, procura-se justificar o proposto nessas PECs com argumentos como: “as empresas exportadoras do setor mineral demonstram desempenho comercial e financeiro capaz de arcar com o ônus tributário sem resultados adversos”; “a tributação das exportações só implicará em uma transferência dos lucros do setor privado para os estados e municípios”; “como os produtos industrializados continuarão imunes, a medida servirá como incentivo à agregação de valor”.
Vê-se, portanto, que, por meio dessas novas regras, pretende-se limitar a norma constitucional de não-incidência do ICMS nas exportações, dando-se ênfase à capacidade contributiva das empresas do setor de mineração, em absoluto detrimento dos reais valores que se buscam preservar quando se trata da tributação do comércio exterior: reduzir o custo Brasil e tornar os produtos brasileiros competitivos no mercado externo.
Essas propostas, contidas nas citadas PECs, representam enorme retrocesso, facilmente constatado no exame da evolução histórica das regras de desoneração das exportações, no plano do Direito Constitucional Tributário.
A Constituição Federal de 1946 só tratava do imposto de exportação, que, à época, era da competência estadual e estava sujeito a estritos limites no que concerne à sua aplicação:
“Art. 19 - Compete aos Estados decretar impostos sobre:
(...)
V - exportação de mercadorias de sua produção para o estrangeiro, até o máximo de cinco por cento ad valorem, vedados quaisquer adicionais;
(...)
Parágrafo 6º - Em casos excepcionais, o Senado Federal poderá autorizar o aumento, por determinado tempo, do imposto de exportação até o máximo de dez por cento ad valorem.”
Com o advento da Emenda Constitucional 18/65, foi criado o antigo ICM, sem que se fizesse qualquer menção à exclusão da sua incidência nas operações de exportação.
Essa exclusão só veio a ser prevista na Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967 (CF/67), e de forma restrita, porque se referia exclusivamente a produtos industrializados e a outros que a lei viesse a determinar e, ainda, limitava-se à parcela do ICMS devida pelo exportador, às vezes insignificante se comparada ao total do imposto pago nas operações anteriores (que, apesar de internas, eram destinadas exclusivamente à exportação).
Quanto a essa limitação (relativa ao ICM incidente nas operações internas), para que se promovesse a desoneração de toda a cadeia de circulação do produto exportado, era mister que se assegurasse ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos ao imposto pago nas operações anteriores.
Por isso, ao estabelecer as normas gerais relativas ao então ICM, o Decreto-lei 406, de 13 de dezembro de 1968, determinou que não se exigiria o estorno do crédito do imposto relativo às mercadorias utilizadas como matéria-prima ou material secundário na fabricação dos produtos destinados ao exterior.
Sob a vigência da EC 1, de 17 de outubro de1969, a regência constitucional e legal da matéria permaneceu inalterada: (i) a EC 1/69 manteve a previsão da não-incidência do ICM sobre operações que destinassem ao exterior produtos industrializados e outros que a lei indicasse; e (ii) o DL 834, de 8 de setembro de 1969, não introduziu qualquer alteração material, ou mesmo redacional, nos dispositivos do DL 406/68 que tratavam da não necessidade de estorno acima referida.
A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, foi mais restritiva do que as anteriores quanto ao alcance da desoneração das exportações do ICMS: manteve a previsão de não-incidência do imposto sobre operações que destinassem ao exterior produtos industrializados, mas excluiu dessa previsão os produtos semi-elaborados definidos em lei complementar.
Ela ainda determinou que caberia à lei complementar: (i) excluir da incidência do ICMS as operações de exportações de outros produtos e serviços (o que, pelo ordenamento anterior, poderia ser feito pela legislação estadual); (ii) prever os casos de manutenção dos créditos nas operações de exportação.
O Convênio ICM 66/88 (com fundamento no art. 34, parágrafo 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Tributárias da CF/88) foi o primeiro a definir semi-elaborado. Posteriormente, e de forma definitiva, a Lei Complementar (LC) 65, de 15 de abril de 1991, exerceu essa função.
Houve controvérsias decorrentes da forma pouco clara como essa definição foi estabelecida, e também da possibilidade da participação do Confaz na regulamentação da matéria. A jurisprudência dos dois Tribunais superiores (STF e STJ) encerrou essas controvérsias, pondo fim às discussões[1].
Com fundamento na possibilidade prevista na Constituição de que lei complementar excluísse da incidência do ICMS as operações de exportações de outros produtos e serviços, foi editada a LC 87/96, que ampliou o escopo da regra de não-incidência para abranger todo e qualquer tipo de exportação:
“Art. 3º O imposto não incide sobre:
II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;”
Além disso, a LC 87/96 garantiu a manutenção dos créditos e previu a sua transferência da seguinte forma: (i) possibilidade de sua imputação pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado ou, (ii) havendo saldo remanescente, transferência pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado.
Assim, com a LC 87/96, pelo menos em tese, foi efetivamente assegurada a desoneração das exportações do ICMS, que sempre pressuporá a manutenção e aproveitamento dos créditos relativos às operações anteriores.
A EC 42, de 19 de dezembro de 2003, constitucionalizou essa evolução, quando (i) ampliou a não-incidência para alcançar operações que destinassem ao exterior todo e qualquer produto (e não apenas os industrializados), bem como os serviços prestados a destinatários no exterior; e (ii) assegurou expressamente a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos ao imposto pago nas operações anteriores.
Vê-se, portanto, que, no decorrer da história, a não-incidência do ICMS nas exportações sofreu altos e baixos. Ela foi, em um primeiro momento, restrita a produtos industrializados; em seguida, sofreu restrição ainda maior para excluir do conceito de produtos industrializados aqueles que fossem semi-elaborados (cuja definição, pela dificuldade que lhe é inerente, foi objeto de diversas demandas judiciais); e, finalmente, evoluiu legal e constitucionalmente para o cenário que mais se coaduna com os anseios de promoção do desenvolvimento nacional (elevado a objetivo fundamental do País pela da Constituição Federal — art. 3º, II), que é o da absoluta desoneração das exportações, tenham elas por objeto produtos primários, industrializados, ou semi-elaborados.
Essas conquistas são irretocáveis.
Se o objetivo do legislador constitucional derivado é o de cuidar de questões relativas à incidência do ICMS nas exportações, que enfrente, pois, as relativas ao grave acúmulo de créditos que se dá nas mãos dos exportadores em decorrência das limitações que, inconstitucionalmente, os Estados impõem à sua transferência para outros contribuintes. E um dos setores que mais sofrem com esse problema é justamente o de mineração.
Essas, sim, são questões que devem merecer a atenção dos nossos congressistas. Buscar, novamente, tributar as exportações de “bens minerais primários ou semi-elaborados” (PEC 92) e de “produtos primários não renováveis” (PEC 122) é absoluto retrocesso.
[1] STF – “ICMS - MANUTENÇÃO DE CRÉDITO - EXPORTAÇÕES. A lei complementar Federal n. 65, de 15 de setembro de 1991, quer sob o angulo formal, quer o material não conflita com a Carta Politica da Republica, no que preserva o crédito alusivo ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços nas hipóteses que enumera.” (STF, Plenário, ADI nº 600-2, Relator Ministro Marco Aurélio, Sessão de 26.04.1995, DJ em 30.06.1995)
STJ - Súmula 433, de 24.10.2010 - “O produto semi-elaborado, para fins de incidência de ICMS, é aquele que preenche cumulativamente os três requisitos do art. 1º da Lei Complementar n. 65/1991”
Gustavo Brigagão é sócio do escritório Ulhôa Canto Advogados, secretário-geral da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro e professor na Fundação Getulio Vargas.
Revista Consultor Jurídico, 22 de janeiro de 2014
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