quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O Mercado Como Ele É... Pavio do dólar de novo aceso

09/01/14 08:50 | Luiz Sérgio Guimarães (luiz.sergio@brasileconomico.com.br)

Dados acima do esperado sobre o comportamento do mercado de trabalho dos EUA fizeram a taxa dos títulos de 10 anos do Tesouro americano voltar ontem à faixa de 3% que havia sido abandonada no início da semana.

O T-Note de 10 anos subiu de 2,95% para 3% porque foram criadas no mês passado 238 mil novas vagas de trabalho no setor privado americano, superando a projeção de analistas na casa dos 200 mil postos. Depois de conhecida essa pesquisa, elaborada pela ADP, empresa especializada em folhas de pagamento, o mercado passou a alimentar a expectativa de um ótimo relatório oficial sobre emprego. O "nonfarm payroll" de dezembro será divulgado amanhã e uma taxa de desemprego abaixo dos 7% de novembro pode incendiar os mercados.

Um rastilho de pólvora já percorreu ontem o mercado de câmbio brasileiro. Além da alta dos juros longos americanos, o pavio do dólar, já aceso na véspera pela disposição da Standard & Poor's de não se constranger com a agenda política deste ano quando for reavaliar o rating brasileiro, foi encorpado por informações fiscais que transpiram a odiada "contabilidade criativa". O regime de caixa permitiu ao governo transferir pagamentos para o exercício de 2014, engordando o superávit primário de 2013. O dólar, ainda sem liquidez plena (giro de US$ 1,2 bilhão), encerrou o dia a R$ 2,3897, com valorização de 0,47%.

O mercado está com muita vontade de testar os R$ 2,40, tido como teto a ser defendido pelo Banco Central com mais vigor. Os economistas acreditam que uma taxa de câmbio nessa faixa permitirá ao BC obter uma estabilidade inflacionária aquém dos 6% sem precisar ir às últimas consequências em sua política monetária.

A apreciação do dólar e a alta das treasuries recuperaram o fôlego dos juros futuros. Ajudou na alta a queda menos expressiva da produção industrial de novembro. Após três altas mensais consecutivas, os especialistas esperavam um tombo de 1,1% e houve um tropeço de 0,2%. A indústria finalmente reage ao câmbio mais depreciado? Embora engessado pela sinalização do BC de que o aperto monetário não irá muito longe, o contrato para a virada do ano subiu de 10,53% para 10,56%. O contrato que mais espelha a movimentação dos juros americanos, com vencimento em janeiro de 2017, avançou de 12,23% para 12,32%, retomando a fronteira transposta na segunda-feira.

Os pregões de câmbio e juros já estavam praticamente fechados quando o Federal Reserve (Fed) publicou no seu site a ata da sua última reunião de 2013, a que decidiu diminuir o volume de compras mensais de títulos para US$ 75 bilhões este mês, depois de ter permanecido durante longos 15 meses adquirindo papéis ao ritmo de US$ 85 bilhões. Mas mesmo o pregão que permanecia aberto, justamente o mais interessado, o de treasuries, pouco se mexeu depois dela. A primeira impressão, que pode ser revista hoje, foi de tratar-se de uma ata velha, escrita como se o redator não conhecesse os robustos indicadores divulgados depois do dia 18. Nada de muito novo foi acrescentado ao statement da reunião. O resumo é que o "tapering" será muito cauteloso. Tanto é que a maioria dos integrantes do Fomc fez questão que ficasse consignado no documento que não há uma trajetória de cortes pré-definida. Ou seja, o ajuste é comedido e reversível.

A tese em voga em alguns círculos do mercado segundo a qual o dólar sobe mais em função de expectativas negativas - muitas vezes nutridas por forte componente emocional - do que propriamente por um desequilíbrio financeiro do fluxo cambial foi comprovada ontem por números divulgados pelo BC. A balança cambial de 2013 foi negativa em US$ 12,26 bilhões. Foi o pior déficit desde os US$ 12,99 bilhões contabilizados em 2002. A diferença monetária entre um ano e outro é pequena - de US$ 730 milhões -, mas enorme em termos de variação cambial.

Embora em 2002 - ano marcado pelo medo irracional do bicho-papão Lula - tenha ido embora do país liquidamente uma quantidade similar à que partiu no ano passado, o dólar deu um salto olímpico de 52,61% naquele ano paranoico. A cotação pulou de R$ 2,315 no último dia de 2001 para R$ 3,533 no último de 2002, tendo roçado os R$ 4,00 no dia 10 de outubro (fechou a R$ 3,99 para a venda). Já em 2013 foi embora quase a mesma coisa é o dólar só subiu 15,37%.

A depreciação cambial ocorre mesmo na presença firme do BC. Ele garantiu dólares físicos a quem precisava de moeda sonante para pagar compromissos por meio de empréstimos com compromisso de recompra aos bancos nacionais privados. E também forneceu farta cobertura a exposições cambiais por meio dos seus swaps. A oferta desses contratos beirou os US$ 70 bilhões, enquanto os bancos fecharam o ano passado com posições "vendidas" à vista de US$ 18,124 bilhões. Ou seja, foram despejados US$ 88 bilhões na economia para suprir as necessidades dos agentes e acalmar os "nervosinhos".

As instituições privadas nacionais chegaram ao fim de 2013 com um caixa em dólar (aqueles US$ 18,124 bilhões) superior ao déficit cambial de US$ 12,26 bilhões. Sobraram, portanto, US$ 5,86 bilhões. Ou seja, quando o BC garante que não está faltando dólar, na verdade quer dizer que está sobrando. Foi por isso que cortou pela metade a ração diária de moeda nesse primeiro semestre de 2014. Mesmo assim o dólar sobe porque se trata de uma moeda-commodity mundial. Se avança lá fora, aqui tem de se valorizar também, mais ou menos em função dos "fundamentos" domésticos e o grau de confiança conferido pelos players globais à política econômica.



O fluxo pode piorar ou melhorar este ano dependendo do andamento do "tapering" americano e das reações (racionais, insensatas ou especulativas) a ele. Qual a influência das eleições? Praticamente todos os cenários formulados por analistas nesse começo de ano são de que nada substancial mudará na política econômica em 2014. Já em 2015, qualquer que seja o novo governo, haverá um ajuste ortodoxo. Como não se prevê a radicalização do desenvolvimentismo no ano que vem, o fator bicho-papão de estimulação do dólar não assombra ninguém.