SANTOS – As regras nacionais para a construção e o dimensionamento de canais e acessos aquaviários em portos estão sendo revistas e modernizadas pela primeira vez em 19 anos. Essa atualização tem como base os novos parâmetros mundiais para esse tipo de obra, anunciados em janeiro passado pela Associação Internacional de Infraestrutura de Transporte Marítimo (Pianc, na sigla em francês). O projeto de reavaliação, feito pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), reúne empresários, autoridades e pesquisadores do setor e deve ser concluído no próximo ano, prevê o coordenador da Comissão de Estudo Especial de Planejamento Portuário da ABNT, responsável pelo trabalho, o vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), Luís Fernando Resano.
Para ele, as novas diretrizes vão permitir que os portos otimizem a utilização dos canais de navegação. E não está descartada a possibilidade de que esses critérios levem os complexos a rever seus limites de calado – a distância entre a linha d´água e o fundo de um navio, ou seja, a profundidade que um cargueiro pode atingir –, ampliando-os sem a necessidade de obras de aprofundamento. Os impactos dessas futuras regras e o trabalho da comissão da ABNT que as prepara foram debatidos por Resano em entrevista exclusiva a A Tribuna.
A comissão que o sr. coordena na ABNT está atualizando os parâmetros nacionais para obras de canais de navegação em portos, tendo como base as novas regras da Pianc. O que muda no setor com esses novos parâmetros da Pianc? Qual a diferença entre eles e os antigos?
Em relação aos fatores considerados, as normas não mudam nada na comparação com as antigas e as que estão em vigor no Brasil. Elas apenas dão um tratamento mais acurado nesses fatores que influenciam no dimensionamento do canal de acesso a um porto. E, com isso, podem dar uma maior flexibilidade (na análise desses critérios) e o porto pode ser melhor aproveitado do que com a regra atual.
O que é esse tratamento mais acurado?
Quando se planeja a dimensão de um canal (de navegação portuário), há vários fatores analisados. Há, por exemplo, a velocidade do vento. Antes, se esse fosse de 0 a 30 nós (55,5 km/h), a regra mandava colocar um fator de segurança. Agora, ela (a norma) divide esse fator de 0 a 15 (27,7 km/h) e de 15 a 30 nós. Assim, eu tenho uma análise mais detalhada e uma maior flexibilidade e posso operar com um navio maior com essas condições. Antigamente, eu tinha de considerar o fator (de segurança) de 30, que era o grande, que tinha uma limitação maior.
Então esses novos parâmetros são mais precisos?
Exatamente. Busca-se uma maior precisão em relação à realidade da manobra.
As normas consideram os novos tamanhos de navios?
Não. Na realidade, as normas não são feitas para o navio, mas para o canal. Você diz qual o tamanho do navio que quer e tem as dimensões necessárias do canal. O navio pode ser um graneleiro, um porta-contêiner, um valemax, um Emma Maersk (um dos maiores conteineiros do mundo, com 397 metros). Se eu desejar fazer um exercício agora: o Emma Maersk entrando no Porto de Santos, eu consigo. Mas terei de ter um canal com dimensões para isso.
Como a comissão da ABNT tem analisado essas normas?
A ABNT é uma associação reconhecida no Brasil como normatizadora, ou seja, ela determina normas. Pegou-se esse (relatório da) Pianc novo e está sendo feita a tradução, ou melhor, a adaptação para nós. Não é apenas uma simples tradução, mas uma versão para os brasileiros. Temos a academia participando, além da Praticagem, dos terminais portuários, dos armadores. Temos toda a comunidade desenvolvendo uma nova regra brasileira. Nós teremos esse novo Pianc internalizado através da ABNT, mas com todas as contribuições brasileiras. Assim, com essas novas regras, vamos poder aproveitar melhor nossos portos.
Como é essa internalização?
Essa comissão especial de estudos tem a participação de todos. É aberta à sociedade e tem reuniões mensais. Após terminada a elaboração da norma, ela vai para uma consulta nacional, ficará durante um mês em uma consulta nacional. Depois, quando forem consolidadas todas as contribuições, vira uma norma ABNT.
Quando começaram os trabalhos da comissão?
Ela foi criada há um ano.
Mas esse conjunto de normas da Pianc foi anunciado em janeiro deste ano.
Exato. Ocorre que a norma ABNT (para as dimensões de canais portuários) em vigor hoje é de 1995. Ela já estava desatualizada em relação à norma Pianc anterior (de 1997). Então nós começamos a trabalhar nessa norma, que ainda não estava internalizada, e agora passamos para a atual. A norma ABNT de hoje não considera os avanços tecnológicos do setor. Nós já sabíamos que a Pianc estava preparando uma nova revisão, mas para não ficarmos esperando essa nova norma, já demos um passo. Instituímos a comissão especial de estudos e começamos a desenvolver o trabalho.
O sr. citou alguns participantes dessa comissão. Quem são os demais?
A comissão é aberta. Há também as autoridades portuárias, a Marinha, através da DPC (Diretoria de Portos e Costas) e do Centro de Hidrografia (CHM), os terminais.
E quais são as universidades?
Participam fortemente a USP (Universidade de São Paulo), através do TPN (Tanque de Provas Numérica, laboratório da Escola Politécnica), a Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e o Ciaga (Centro de Instrução Almirante Graça Aranha, da Marinha do Brasil), com o professor Mesquita (Edson Mesquita dos Santos). Essas são as principais. Agora, a comissão é aberta. Toda última terça-feira do mês tem reunião e ela é aberta a toda a comunidade.
Quando o trabalho deve ser concluído?
Isso é uma coisa difícil de prever, pois este é um trabalho que exige consenso entre os participantes e tem temas em que há controvérsias. Esse não é um projeto feito para um caso específico. É uma norma genérica, que vai ser aplicada em Santos e em Manaus, logicamente com suas especificidades. Mas posso dizer que o trabalho está bastante adiantado. Eu tenho experiência com outras comissões de estudo da ABNT. Às vezes, a gente espera que, em seis meses, se publique uma norma e, às vezes, demora quase dois anos. A Pianc, para concluir seu relatório, demorou cinco anos.
Quanto do trabalho já foi feito?
Mais de 50%, com certeza. O básico, nós já fizemos. Agora, estamos em uma parte em que agregamos os nossos conhecimentos e os da academia. É uma fase mais complexa e, às vezes, vai um pouco mais lenta do que a gente gostaria. Mas eu acho que, sem querer estabelecer um prazo, no ano que vem, a gente vai ter essa norma publicada. E os portos poderão fazer a revisão de seus canais de acesso, decidir pelas melhorias e otimizar sua infraestrutura como um todo.
Quais os impactos dessas normas nos portos brasileiros?
Eu acredito que, em breve, com essas novas normas, nós poderemos resolver mais facilmente se um navio maior ou menor pode entrar no porto. E isso poderá fazer com que a gente seja mais objetivo nas obras que temos de fazer nos canais de acesso, para a entrada de navios maiores. E também permitirá uma melhor capacitação, qualificação dos práticos para suas manobras. Todos ganham.
É possível que, com as normas, os portos revejam e reduzam os limites de calado?
Acho que o inverso. Mas é um achismo meu. Por enquanto, a gente não tem a aplicação total. Será necessário fazer testes em tanques numéricos. Mas acho que poderá ser um facilitador, não um complicador.
Na elaboração das novas normas da Pianc, participaram especialistas de vários países, mas nenhum brasileiro. Por quê? Não houve convite? O País não tem contatos com a Pianc?
A Pianc é aberta a voluntários. Mas só agora o Brasil começou a se interessar. E já participam entidades de Governo. Não houve essa presença brasileira, mas é um assunto que foi acompanhado. E fóruns como o do TPN (o seminário A nova recomendação da Pianc para projetos portuários e a realidade brasileira, que debateu as novas regras para as obras aquaviárias em portos) mostram que, na próxima (revisão de normas), o Brasil terá uma participação efetiva.
Como o sr. vê a qualidade e o desenvolvimento da tecnologia e da pesquisa voltadas ao setor portuário no Brasil hoje?
É mais uma questão da academia, que vem se preparando ao longo do tempo. Infelizmente os setores portuário e de navegação estavam em crise na década de 80. Eles estavam em baixa e agora estão subindo. Temos uma presença maior na Pianc, na IMO (Organização Marítima Internacional), na Iala (Associação Internacional de Sinalização Marítima). São vários organismos internacionais onde o Brasil já não é um país que segue o que os outros decidem, mas que opina.
Mas qual sua análise em relação à pesquisa de questões portuárias no Brasil?
Está avançando, mas precisamos avançar muito. Agora é que a gente começa a ver cursos voltados para a área portuária. Há em Santos, em Santa Catarina, na Coppe, na USP. Isso é o amadurecimento da sociedade.
Fonte: A Tribuna-Santos
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