Opinião – O Estadão
O Brasil conta hoje com aproximadamente 50 empresas multinacionais que se vêm expandindo com sucesso no mundo. A internacionalização dessas empresas decorre de notórias competências gerenciais, da atuação em segmentos em que o Brasil consolidou vantagens competitivas globais e, em alguns casos, da impossibilidade de crescer no País em razão de restrições da legislação de defesa da concorrência.
Esse fenômeno gerou intenso debate sobre um modelo de tributação de lucros auferidos no exterior adequado aos interesses do País, que possa pacificar uma década de conflitos entre a Receita e o setor privado. Porém, antes de analisar a situação brasileira, é importante listar os dois principais modelos tributários praticados no mundo.
A maioria dos países desenvolvidos, principalmente na Europa e na Ásia, adota o sistema de isenção tributária na origem do investimento. Esse modelo é preconizado pela OCDE, pois “incentiva” a internacionalização e a competitividade das empresas, eliminando a dupla tributação de forma ampla. Basicamente as empresas pagam os impostos nos países destino onde atuam e recebem no seu país de residência isenção total ou parcial (em geral, de 95%) dos impostos sobre os dividendos que forem repatriados para a matriz. O segundo sistema, vigente nos EUA e em alguns outros países, pode ser classificado como “neutro”. Neste caso, o país de origem dos investimentos tributa os lucros gerados pelas controladas no exterior no momento em que estes são distribuídos para a matriz.
Esse foi o modelo utilizado no Brasil até 2001. Nesse ano, porém, uma medida provisória (MP 2.158/2001) determinou que os lucros de qualquer operação no exterior seriam tributados pela alíquota brasileira, de 34%, ao final de cada ano, mesmo que eles não fossem disponibilizados para os acionistas no País. Essa MP, que não encontra paralelo em nenhum local do planeta, se tornou “perene” sem nunca ter sido votada no Congresso, por força da emenda constitucional que proibiu a reedição infinita de MPs (que desde então caducam se não forem votadas em até 120 dias). Ignorando dezenas de tratados internacionais contra a dupla tributação assinados pelo Brasil, a Receita passou a autuar empresas que promoviam a consolidação de seus lucros em holdings no exterior, criando enorme contencioso que só traz incertezas ao ambiente produtivo.
Em novembro foi editada nova MP, 627/1013, a ser votada até o mês que vem, que traz como conceito central o recolhimento no Brasil da diferença entre a alíquota paga no exterior e os atuais 34% vigentes no País. Essa diferença será calculada pela variação patrimonial a cada exercício, independentemente de os lucros serem reinvestidos no exterior ou remetidos de volta como dividendos.
As empresas que estão hoje investindo em capacidade produtiva no exterior definitivamente não ficaram satisfeitas. Para elas, não se trata de apenas melhorar as condições do modelo tributário de 2001, mas, sim, de adotar um modelo compatível com as práticas dominantes no mundo, que permita disputar o mercado em condições de igualdade com concorrentes locais e globais em cada país-alvo.
Vejamos a caso da BRF. Criada em 2009 pela fusão da Sadia e da Perdigão, a BRF hoje enfrenta restrições para adquirir empresas no Brasil por força de um acordo firmado com o Cade. Ao mesmo tempo, a empresa enxerga uma imensa oportunidade para expandir atividades em outros países e com isso incrementar sua capacidade produtiva no Brasil, plataforma de sua expansão. Terceiro maior exportador do planeta, o Brasil tornou-se referência global no agronegócio mundial, exportando para mais de 170 países. Agora é hora de as empresas brasileiras se internacionalizarem, e as maiores oportunidades estão nos países em desenvolvimento. Um dos setores mais nobres para a internacionalização é o de proteínas de origem animal, cujo consumo ainda é baixo principalmente na Ásia, na África e no Oriente Médio. É nesse sentido que a empresa vai inaugurar no segundo semestre, em Abu Dabi, a maior fábrica de processados de carnes do Oriente Médio e estuda investimentos em outros países.
Vale destacar que a construção ou aquisição de plantas industriais representa muito mais do que investimentos no exterior. Ela traz consigo o uso de know-how e tecnologia nacional, a geração de empregos para brasileiros no País e no exterior, o pagamento de tributos no Brasil decorrente dessas atividades e representa um caminho fundamental para tornar viável o acesso a mercados hoje totalmente fechados para o Brasil.
A KPMG levantou as condições de tributação de 123 países no mundo e apenas 9 aplicam alíquotas superiores à do Brasil. Quase metade dos países levantados (54) aplicam alíquotas abaixo de 20% e muitos destes são destino natural para a expansão das empresas do agronegócio. A pergunta é: como tornar viáveis investimentos produtivos, pagando 34% de imposto, em países que tributam abaixo de 20%?
E aqui ainda temos um círculo vicioso: quanto maiores forem os benefícios fiscais e de atração de investimentos concedidos pelo país onde queremos investir, menor será nossa competitividade em relação aos concorrentes locais. Além disso, se quisermos continuar a reinvestir os lucros no exterior, teremos de buscar outros recursos para pagar o imposto adicional no Brasil sobre o lucro da operação estrangeira, o que geraria uma redução dos investimentos em território brasileiro.
Se o Brasil insistir nesse modelo tributário tão rígido e reducionista, único no planeta, dificilmente as controladas das empresas brasileiras no exterior vão conseguir competir com seus concorrentes, principalmente no mundo em desenvolvimento, onde teríamos de arcar com uma carga tributária que seria mais que o dobro da deles. Uma das consequências nefastas desse modelo é condenar o Brasil a continuar sendo um país de empresas controladas, e não de controladoras.
*Marcos Sawaya Jank é diretor executivo global de assuntos corporativos da BRF. E-mail: marcos.jank@brf-br.com.
O Brasil conta hoje com aproximadamente 50 empresas multinacionais que se vêm expandindo com sucesso no mundo. A internacionalização dessas empresas decorre de notórias competências gerenciais, da atuação em segmentos em que o Brasil consolidou vantagens competitivas globais e, em alguns casos, da impossibilidade de crescer no País em razão de restrições da legislação de defesa da concorrência.
Esse fenômeno gerou intenso debate sobre um modelo de tributação de lucros auferidos no exterior adequado aos interesses do País, que possa pacificar uma década de conflitos entre a Receita e o setor privado. Porém, antes de analisar a situação brasileira, é importante listar os dois principais modelos tributários praticados no mundo.
A maioria dos países desenvolvidos, principalmente na Europa e na Ásia, adota o sistema de isenção tributária na origem do investimento. Esse modelo é preconizado pela OCDE, pois “incentiva” a internacionalização e a competitividade das empresas, eliminando a dupla tributação de forma ampla. Basicamente as empresas pagam os impostos nos países destino onde atuam e recebem no seu país de residência isenção total ou parcial (em geral, de 95%) dos impostos sobre os dividendos que forem repatriados para a matriz. O segundo sistema, vigente nos EUA e em alguns outros países, pode ser classificado como “neutro”. Neste caso, o país de origem dos investimentos tributa os lucros gerados pelas controladas no exterior no momento em que estes são distribuídos para a matriz.
Esse foi o modelo utilizado no Brasil até 2001. Nesse ano, porém, uma medida provisória (MP 2.158/2001) determinou que os lucros de qualquer operação no exterior seriam tributados pela alíquota brasileira, de 34%, ao final de cada ano, mesmo que eles não fossem disponibilizados para os acionistas no País. Essa MP, que não encontra paralelo em nenhum local do planeta, se tornou “perene” sem nunca ter sido votada no Congresso, por força da emenda constitucional que proibiu a reedição infinita de MPs (que desde então caducam se não forem votadas em até 120 dias). Ignorando dezenas de tratados internacionais contra a dupla tributação assinados pelo Brasil, a Receita passou a autuar empresas que promoviam a consolidação de seus lucros em holdings no exterior, criando enorme contencioso que só traz incertezas ao ambiente produtivo.
Em novembro foi editada nova MP, 627/1013, a ser votada até o mês que vem, que traz como conceito central o recolhimento no Brasil da diferença entre a alíquota paga no exterior e os atuais 34% vigentes no País. Essa diferença será calculada pela variação patrimonial a cada exercício, independentemente de os lucros serem reinvestidos no exterior ou remetidos de volta como dividendos.
As empresas que estão hoje investindo em capacidade produtiva no exterior definitivamente não ficaram satisfeitas. Para elas, não se trata de apenas melhorar as condições do modelo tributário de 2001, mas, sim, de adotar um modelo compatível com as práticas dominantes no mundo, que permita disputar o mercado em condições de igualdade com concorrentes locais e globais em cada país-alvo.
Vejamos a caso da BRF. Criada em 2009 pela fusão da Sadia e da Perdigão, a BRF hoje enfrenta restrições para adquirir empresas no Brasil por força de um acordo firmado com o Cade. Ao mesmo tempo, a empresa enxerga uma imensa oportunidade para expandir atividades em outros países e com isso incrementar sua capacidade produtiva no Brasil, plataforma de sua expansão. Terceiro maior exportador do planeta, o Brasil tornou-se referência global no agronegócio mundial, exportando para mais de 170 países. Agora é hora de as empresas brasileiras se internacionalizarem, e as maiores oportunidades estão nos países em desenvolvimento. Um dos setores mais nobres para a internacionalização é o de proteínas de origem animal, cujo consumo ainda é baixo principalmente na Ásia, na África e no Oriente Médio. É nesse sentido que a empresa vai inaugurar no segundo semestre, em Abu Dabi, a maior fábrica de processados de carnes do Oriente Médio e estuda investimentos em outros países.
Vale destacar que a construção ou aquisição de plantas industriais representa muito mais do que investimentos no exterior. Ela traz consigo o uso de know-how e tecnologia nacional, a geração de empregos para brasileiros no País e no exterior, o pagamento de tributos no Brasil decorrente dessas atividades e representa um caminho fundamental para tornar viável o acesso a mercados hoje totalmente fechados para o Brasil.
A KPMG levantou as condições de tributação de 123 países no mundo e apenas 9 aplicam alíquotas superiores à do Brasil. Quase metade dos países levantados (54) aplicam alíquotas abaixo de 20% e muitos destes são destino natural para a expansão das empresas do agronegócio. A pergunta é: como tornar viáveis investimentos produtivos, pagando 34% de imposto, em países que tributam abaixo de 20%?
E aqui ainda temos um círculo vicioso: quanto maiores forem os benefícios fiscais e de atração de investimentos concedidos pelo país onde queremos investir, menor será nossa competitividade em relação aos concorrentes locais. Além disso, se quisermos continuar a reinvestir os lucros no exterior, teremos de buscar outros recursos para pagar o imposto adicional no Brasil sobre o lucro da operação estrangeira, o que geraria uma redução dos investimentos em território brasileiro.
Se o Brasil insistir nesse modelo tributário tão rígido e reducionista, único no planeta, dificilmente as controladas das empresas brasileiras no exterior vão conseguir competir com seus concorrentes, principalmente no mundo em desenvolvimento, onde teríamos de arcar com uma carga tributária que seria mais que o dobro da deles. Uma das consequências nefastas desse modelo é condenar o Brasil a continuar sendo um país de empresas controladas, e não de controladoras.
*Marcos Sawaya Jank é diretor executivo global de assuntos corporativos da BRF. E-mail: marcos.jank@brf-br.com.
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