segunda-feira, 24 de março de 2014

Fisco não pode impedir emissão de documento de carga

MANDADO DE SEGURANÇA
Jomar Martins

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) exige a emissão de "conhecimento aéreo" no agenciamento de carga, mas dispensa os operadores da autorização de funcionamento. Logo, o Fisco não pode negar ao agenciador o direito de emitir este documento de forma eletrônica, essencial para a sua operação, com base no argumento de ausência de inscrição na Anac, sob pena de inviabilizar a atividade empresarial.

O entendimento levou a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a confirmar sentença que concedeu a segurança a uma operadora logística de Porto Alegre, que teve o pedido de autorização para emitir o Conhecimento de Transporte Aéreo digital indeferido pela Secretaria da Fazenda do Estado. O CT-e documenta, para fins fiscais, a prestação do serviço de transporte de carga.

Em ambas as instâncias, os julgadores foram unânimes em constatar que o principal argumento para negar a autorização foi somente a falta de registro da operadora, como transportador aéreo, junto à Anac — o que não encontra respaldo em nenhuma norma.

O desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro, relator, entendeu que a negativa da Sefaz-RS é desprovida de qualquer fundamento. É que se a própria agência reguladora não expede mais autorização para funcionamento de empresas de carga, não cabe ao fisco inviabilizar a emissão do Conhecimento Aéreo na via administrativa. A decisão monocrática que negou a Apelação foi tomada na sessão do dia 10 de fevereiro.

Mandado de Segurança
A empresa de logística, sediada em Porto Alegre, ajuizou Mandado de Segurança contra a fazenda estadual para conseguir autorização que lhe permita emitir Conhecimento de Transporte Aéreo, tanto na forma eletrônico-digital (CT-e) como na tradicional, sem a exigência de registro como transportador aéreo na Anac. O Conhecimento de Transporte Eletrônico passou a ser obrigatório a partir de fevereiro de 2013, com a edição, por parte das autoridades fazendárias, do Ajuste Sinief 21/2012.

A empresa informou que já atua como agente logístico em diversas modalidades, estando regularmente inscrita nos órgãos competentes. Argumentou que a exigência é abusiva e inconstitucional, porque viola os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e eficiência da Administração Pública. Logo, inviabiliza o desenvolvimento de sua atividade.

A fazenda gaúcha, por sua vez, argumentou que o regime invocado pela agenciadora exige a condição básica de efetuar transporte aeroviário regular de cargas. Ou seja, não basta ser apenas agenciadora de cargas. Ressaltou que estas empresas estão impedidas de emitir Conhecimento Aéreo porque não executam o serviço por meio próprio, pois não possuírem aeronaves.

Sustentou que as empresas que têm como objeto social o exclusivo agenciamento de cargas, sem executar o serviço de transporte em nenhuma parte do trajeto ‘‘porta a porta’’, não são contribuintes de ICMS. Logo, inexiste previsão na legislação tributária estadual que a obrigue a se inscrever no Cadastro Geral de Contribuintes do Estado.

O governo do RS afirmou ainda que a autorização para emitir o CT-e traz implicações tributárias. No caso da autora, por se operadora intermodal, cada trecho de serviço prestado incide alíquota de 12%. Se for considerada prestadora de serviços de transporte aéreo de cargas, terá, em toda sua prestação, alíquota de apenas 4%.

A sentença
A juíza Alessandra Abrão Bertoluci, titular da 6ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, afirmou que o único motivo exposto pelo fisco, para negar a autorização para emissão do documento, é o fato da autora não se encontrar registrada na Anac. Entretanto, a defesa não apontou nenhuma norma federal, ou mesmo estadual, fixando a exigência de que empresas agenciadoras de transporte aéreo devam estar registradas neste órgão de fiscalização.

A julgadora observeou que, embora não possua aeronaves, nem transporte passageiros ou cargas, ou esteja sediada em aeroportos, a parte autora precisa do Conhecimento de Transporte, pois opera no ramo logístico. É que a agenciadora não tem como operar sem este documento, seja em forma de papel ou em formato digital.

‘‘De outro lado, a negativa de autorização para emissão do CT-e impede que a empresa impetrante desenvolva suas atividades, restando também atingidos o princípio do livre exercício da atividade econômica, assegurado nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal’’, escreveu na sentença.

Além disso, a decisão administrativa atacada fere normas constitucionais e os entendimentos que deram origem às Súmulas 70, 323 e 547 do Superior Tribunal Federal. Estas, em resumo, afastam a imposição de qualquer meio coercitivo contra o contribuinte — seja para cobrar de tributo ou mesmo limitar a atividade empresarial lícita.

‘‘A exigência de que somente empresas inscritas na Anac podem emitir Conhecimento de Transporte Aéreo, além de não encontrar respaldo legal, concentra apenas em empresas de aviação civil a possibilidade de atuar no transporte aéreo de cargas, o que também vai de encontro aos princípios constitucionais supramencionados’’, concluiu a magistrada, que concedeu a segurança para determinar a emissão do documento pelo fisco estadual.

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.

Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2014

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