terça-feira, 11 de março de 2014

Desafio de crescimento passa pelas cadeias de valor

As cadeias globais de valor estão associadas à competitividade dos produtos no mercado internacional. Nas últimas duas décadas, o modelo de produção que divide o processo em etapas saiu de uma única fábrica e passou a ser fatiado em países diferentes. A fabricação percorre três, quatro ou mais territórios até chegar ao produto final. Tudo isso, com objetivo de reduzir custos de matéria-prima e de mão de obra.

A fragmentação da produção tem sido a característica marcante dos produtos manufaturados comercializados no mercado externo, segundo o diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Renato Baumann. O especialista destaca que o mundo é formado por três grandes polos de produção – Leste Asiático, América do Norte e União Europeia – e nos três casos a lógica das cadeias de valor tem grau importante na produção.
“O que preocupa é que nós, da América Latina, como também os africanos, participamos de forma pouco nobre do processo. No caso do Brasil, como fornecedor de matéria-prima, ou seja, pela porta dos fundos”, disse Baumann ao justificar a importância do evento promovido recentemente pelo Ipea – Cadeias Globais de Valor e a Agenda Comercial do Século XXI – no qual foi possível debater o impacto da produção em escala global e regional para o comércio exterior dos países em desenvolvimento.

Para Baumann, que é professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, é preciso pensar os efeitos que as cadeias globais de valor podem ter sobre a política comercial daqui para frente, levando em consideração a adoção da lógica fatiada de produção que, certamente, esbarra no formato das negociações comerciais que vêm sendo feitas desde 1948, a partir do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt). Uma das questões que cita é a flexibilização de políticas trabalhistas. “Ao implantar uma fábrica no País não temos poder de barganha por não ter participação efetiva nas cadeias globais.”


Desafios

A inserção no processo implica viabilizar o acesso a partes, peças, componentes e para isso torna-se necessário baixar tarifas, uma vez que o Brasil tem valores mais elevados para bens de capital e insumos que outros emergentes. Mas o problema não está apenas nas tarifas, que talvez seria um aspecto mais simples a ser resolvido. Mão de obra, infraestrutura de estradas, portos, problemas tributários e normativos, enfim, todo esse conjunto precisa ser adequadamente tratado segundo o professor.

Além disso, é preciso considerar o custo social que se pode ter. Para Baumann, mesmo com um mercado interno grande e com setor industrial implantado, a decisão de importar bem de capital de outro país implica muitas vezes o fechamento de fábricas e daí a importância da certeza de que os benefícios serão maiores que os custos.

No que diz respeito ao aspecto regional, o diretor do Ipea avalia que a complementariedade poderá dar norte ao processo negociador comercial do Mercosul, que hoje praticamente não existe. Na última década, a ênfase do bloco regional foi marcada pela excessiva dimensão política e social e a prática econômica perdeu espaço na agenda. “Do ponto de vista economicista, não há como identificar razões para negociar”, diz o professor.

Ao mesmo tempo, ele alerta para a necessidade de acompanhar os avanços conquistados pela Aliança do Pacífico, pois entre as cláusulas do acordo assinado uma torna explícita a busca pela complementariedade produtiva.

Política externa

“Se [o Brasil] continuar na trajetória observada, em que os manufaturados perdem espaço, a tendência é voltar a ser exportador de produtos primários, ficar restrito ao agronegócio. Não é negativo, tem seu valor, mas a indústria é importante porque, historicamente, países que ficaram ricos tinham sua indústria desenvolvida”, pondera o economista.

Visando a contribuir com o melhor entendimento das cadeias globais de valor o Ipea tem dois projetos em andamento. Um deles buscará identificar o potencial de complementariedade produtiva na América do Sul, ou seja, saber quem faz o quê em cada país. Consiste no mapeamento das indústrias para depois partir na verificação das razões de não haver complementariedade. Para tanto, serão considerados oito países – Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Colômbia, Venezuela e Equador –, com análise dos setores e do conjunto de produtos. Todos os dados apurados serão apresentados em relatórios e a ideia é disponibilizar os resultados até o final deste ano.

O segundo projeto pretende estudar a implicação da existência das cadeias globais para as políticas comerciais. Especialistas e consultores trabalharão a nova lógica de produção e recomendarão políticas externas para o país.

De acordo com Baumann, é preciso ter em mente que o tema veio para ficar e nada no horizonte indica reversão do processo. “Não há modelo pronto e cada país terá de encontrar o seu caminho”, conclui. (AC)

Sem Fronteiras nº 492

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