segunda-feira, 31 de março de 2014

Brasil impõe perda de competitividade

SÉRGIO LEO - VALOR ECONÔMICO - 31/03/2014

Empresas brasileiras sofrem com carga das jabuticabas tributárias


Cuba anunciou que abrirá seu mercado aos investidores internacionais, com incentivos fiscais para instalação de indústrias no país, mas o Brasil, que financia a construção bilionária de um porto na ilha, está em desvantagem. Suas empresas terão dificuldades para aproveitar as oportunidades da bem localizada ilha caribenha.

A posição desvantajosa foi criada pelo próprio governo brasileiro, com a Medida Provisória 627, a ser votada amanhã no plenário da Câmara. A medida, criada para reduzir as brechas para evasão de tributos, montou, na prática, um mecanismo que impede empresas brasileiras de competir usando vantagens como as criadas pelo governo cubano, entre outros.

A Receita Federal, madrinha da MP 627, buscou cumprir seu papel de arrecadadora. Empresas brasileiras, especialmente exportadoras de commodities, aproveitaram lacunas legais existentes para vender seus produtos a preços artificialmente baixos a subsidiárias montadas em países com os quais o Brasil tinha acordos contra bitributação. A partir desses países, as empresas vendiam seus produtos ao consumidor final, concentrando o lucro na subsidiária e driblando o Fisco.

A Receita já havia tomado providências legítimas para fechar essa brecha, com regras que permitem tributar exportação de commodities com base nas cotações internacionais. O problema, para as multinacionais brasileiras, é que o Fisco decidiu ir além, e, com a MP 627, pesou a mão sobre empresas que nada tinham a ver com as peraltices tributárias de algumas exportadoras.

Na prática, a MP 627 determina que, após pagar lá fora o imposto sobre o lucro das coligadas no exterior, as multinacionais brasileiras pagarão, adicionalmente, no Brasil, a diferença entre esse tributo e a alíquota de 34% cobrada em território brasileiro. Se o imposto das operações europeias for de 20%, por exemplo, a multi brasileira pagará 14% ao Fisco nacional.

No caso cubano, como em qualquer outro país de destino do investimento brasileiro, a empresa com sede no Brasil pagará, sempre, mais que sua concorrente de outra nacionalidade. Estranha maneira de cumprir a promessa oficial de estimular a internacionalização das empresas brasileiras.

Os acordos contra bitributação assinados pelo Brasil, em geral, garantem que só se pode cobrar imposto no país onde o lucro gerado. Para contornar esse compromisso e também não explicitar uma tributação sobre o patrimônio das empresas, não prevista em lei, a Receita, na MP, recorreu à criatividade linguística: prevê tributar a parcela do ajuste do valor do investimento equivalente aos lucros .

A MP engrossou o cipoal de regulamentos que amarra as companhias brasileiras e reduz sua capacidade de competir no mercado externo. Após a edição da MP, a interpretação de seus contorcionismos verbais exigiu horas extras nos departamentos jurídicos das empresas - já obrigadas pela complexidade tributária nacional a manter um número desproporcionalmente alto de funcionários para cuidar das relações com os cobradores de impostos no Brasil.

Algumas mudanças no texto foram feitas, nos últimos meses, para eliminar efeitos indesejáveis não previstos pelos próprios técnicos da Receita. Após conversa dos executivos com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e negociações com o relator da MP, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foram amenizados alguns dos artigos da medida. A principal mudança foi um desconto de nove pontos percentuais, que reduziu a mordida da Receita: a não ser que estejam em paraísos fiscais, ou em países de tributação muito baixa (subtributação, no jargão do Fisco), as empresas poderão somar ao imposto local mais nove pontos percentuais e pagar apenas a diferença entre essa soma e os 34% do tributo no Brasil.

As alterações na MP reduziram a perda de competitividade para algumas das multinacionais brasileiras, especialmente nas subsidiárias localizadas na Europa e nos Estados Unidos. Já aquelas que se expandiram, ou pretendem expandir-se para o Oriente Médio, a América Latina e a África, aproveitando incentivos locais, continuam sujeitas integralmente à nova taxação. Em boa parte dessas regiões ocorre o que o Fisco considera subtributação .

É grande a quantidade de jabuticabas tributárias, medidas inéditas no mundo, que impõem uma carga sobre as empresas brasileiras superior à sofrida pelos concorrentes internacionais. Países europeus não tributam o lucro de controladas no exterior; os EUA, somente o retorno desse lucro sob a forma de dividendos. Enquanto outros países permitem, sem tributar, que suas empresas reinvistam no exterior os lucros obtidos fora de sua origem, o Fisco brasileiro reduz os recursos disponíveis pelas empresas brasileiras, ao capturar parte dos lucros.

A lista de companhias atingidas é variada, de grandes empreiteiras à Ambev, da Braskem aos fabricantes de carne apoiados pelo BNDES em seu esforço exportador. Estão dificultando até a consolidação de nossa operações no exterior, com esse modelo de tributação , queixa-se o diretor-executivo da BRF Marcos Jank.

Estamos impossibilitados de expandir nossas operações em locais como o Oriente Médio , avisa ele. A BRF pagará 34% de impostos em países onde concorrentes europeus pagarão 10%, com isenção de 95% dos dividendos pagos à matriz. Não temos como competir, teremos de repensar nossos planos de expansão , comenta, vocalizando queixas similares de outros executivos de empresas brasileiras.

A MP 627 é um sintoma da falta de articulação entre as políticas macroeconômica, industrial e comercial brasileiras. Não à toa, nos diálogos promovidos pelo Itamaraty, a pedido da presidente Dilma Rousseff, para formular seu livro branco da política externa, uma das sugestões mais lembradas foi a criação de mecanismos, no governo, para coordenar a esquizofrênica atuação do Brasil na projeção de seus interesses no campo internacional.

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