terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Importações por empresas relacionadas

2 DE DEZEMBRO DE 2013
Por Victor Bovarotti Lopes e Gregory S. McCue

A valoração de mercadorias importadas de empresas relacionadas é disciplinada por dois tipos distintos de regras: as de preço de transferência e as de valoração aduaneira. Em princípio, ambas procuram garantir que a valoração seja realizada sob práticas comerciais de livre mercado.

No entanto, as empresas devem ter consciência de que esses dois tipos de regras não são iguais. Na importação, as regras de preço de transferência procuram prevenir que os preços sejam artificialmente altos, para evitar que os lucros sejam concentrados de forma indevida com o exportador.


Por outro lado, as regras de valoração aduaneira pretendem prevenir que os preços sejam artificialmente baixos, para evitar que os tributos pagos na importação sejam reduzidos indevidamente. A determinação do preço de acordo com as regras de transferência não implica na sua aceitação para fins de valoração aduaneira. Uma série de autuações lavradas recentemente pelas autoridades aduaneiras evidenciam a necessidade de as empresas analisarem estas questões de valoração separadamente.

A determinação do preço conforme as regras de transferência não implica na sua aceitação para valoração aduaneira

Enquanto as regras de preço de transferência são definidas individualmente por cada país, as regras de valoração aduaneira são fixadas pelas normas da Organização Mundial do Comércio. Segundo essas normas, o valor aduaneiro deve ser calculado, em regra, com base no “valor da transação”, que corresponde ao preço de venda com alguns ajustes. Há casos, porém, em que o “valor da transação” pode ser desconsiderado e métodos alternativos podem ser utilizados para determinar o valor aduaneiro. Uma das razões que podem resultar na desconsideração do “valor da transação” é o fato de o importador e o exportador serem empresas relacionadas e este relacionamento ter afetado o preço praticado. Por esse motivo, exige-se que o importador adquirindo mercadorias de um exportador relacionado possa demonstrar às autoridades que, a despeito de tal relacionamento, o preço praticado se aproxima do preço de mercado. Para tanto, é irrelevante que o preço praticado tenha sido fixado com observância das regras de preço de transferência. Um dos métodos pelos quais os importador pode realizar tal demonstração é a comprovação de que o “valor da transação” se aproxima do preço praticado em transações com mercadorias idênticas ou similares realizadas entre partes não relacionadas.

Nos últimos meses, uma série de empresas foi autuada em razão da suposta declaração incorreta do valor aduaneiro de mercadorias importadas. Na maior parte dos casos, o importador operava como um distribuidor, importando grandes quantidades de mercadoria a preços relativamente baixos, determinados com observância das regras de preço de transferência. Por outro lado, o exportador também vendia pequenas quantidades de mercadorias idênticas ou similares a preços relativamente altos para outras empresas brasileiras não relacionadas. As autoridades aduaneiras alegaram que os preços baixos praticado nas operações entre empresas relacionadas não haviam sido determinados sob práticas comerciais de livre mercado e que os tributos incidentes n a importação deviam ser calculados com base nos preços mais altos praticados nas operações entre partes não relacionadas.

Nesses casos, os importadores e a fiscalização discordaram acerca do montante dos ajustes necessários em razão das diferenças em nível comercial e quantidades comercializadas. Os importadores defendem ajustes significativos que trariam seus preços próximos aos praticados em operações entre partes não relacionadas. Os fiscais aduaneiros, por sua vez, aceitaram pequenos ou nenhum ajuste. Estes casos agora estão sendo discutidos em âmbito administrativo.

A relação entre preços de transferência e valoração aduaneira têm sido bastante discutida nos Estados Unidos. Por muitos anos, os importadores norte-americanos pleitearam à aduana que levasse em conta os preços de transferência na determinação do valor aduaneiro. Em 2012, a aduana alterou sutilmente a sua interpretação de dados de preço de transferência, uma medida que atraiu muita atenção. Algumas empresas e especialistas interpretaram incorretamente esta mudança como permitindo a utilização de preços de transferência para fins de valoração aduaneira. Isto não é verdade, porém. A aduana norte-americana apenas esclareceu que, quando um acordo de preço de transferência prever ajustes ao preço após a venda, o valor aduaneiro, sob certas condições, também poderá ser ajustado após a importação. Apesar da euforia acerca dessa alteração, a aduana norte-americana continua exigindo uma análise específica de valoração aduaneira para que um preço de transferência possa ser aceito como valor aduaneiro. Caso o preço de transferência não seja aprovado nesta análise, o valor aduaneiro terá que ser determinado mediante um método alternativo.

Em suma, é importante que as empresas se conscientizem de que a fixação do preço praticado nas importações de empresas relacionadas com a observância das regras de preço de transferência não é suficiente para evitar questionamentos em matéria de valoração aduaneira.

Victor Bovarotti Lopes e Gregory S. McCue são, respectivamente, sócio da área de comércio international do Demarest Advogados e “Of Counsel” da área aduaneira do Steptoe & Johnson LLP

via Importações por empresas relacionadas | Valor Econômico.